domingo, 9 de outubro de 2011

Romance de Domingo...


Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra

  Por William Guerra*

CAPÍTULO XXX

         O homem que queria cortar a secular árvore não era um verdejantense. Viera há poucos dias morar em Verdejante. Pedreiro de profissão desejava que a casa onde fora morar, no centro da cidade, ficasse bem clara, sem nada na sua frente. Por isso estava prestes a cometer um crime, não fora a coragem e determinação do menino Guerra.

         O prefeito proibiu que aquele forasteiro fizesse qualquer menção de cortar, não só àquela árvore em particular, mas quaisquer outras existentes na cidade. O delegado também lhe passou um pito. Até o padre Benedito Basílio Alves vem em socorro da árvore, como também do afilhado, pois soubera na casa paroquial, que o garoto Guerra estava em apuros. Tambémse aproxima o professor João Batista, irmão do Guerra. Abraça-se àquele e, se dirigindo ao homem, que ainda empunha um afiado machado, diz:

         - Não vê que uma árvore também tem vida? O costume nesta cidade é o de se proteger as árvores, os animais, as pessoas, não de maltratá-las ou até mata-as, como você queria fazer!

         O homem abaixou a cabeça, Sua esposa veio e o levou pelo braço para dentro de casa, remendo uma revolta maior por parte da população. As pessoas se dispersaram e Guerra foi se juntar a Danta. Os dois desceram à lagoa para um delicioso mergulho.

         Também, já acabada a questão, chegou o avô do menino, Adrião Bezerra, que se dirigiu ao Vigário que caminhava lentamente em direção à casa paroquial.

         - Padre!

         Chamou àquele e, ao ouvir o chamado, o Vigário voltou à vista em direção a Adrião Bezerra.

         - Amigo Adrião! Em que posso servi-lo?

         Com sua bengala reluzente, chapéu de massa, rindo um riso descontraído sob o sol que começava a castigar, apertou a mão do padre e saíram, os dois, rumo à residência do Cura da Paróquia.

         Lá chegando, acomodando-se cada um numa cadeira de balanço, Adrião Bezerra foi direto ao ponto:

         - Quando parte, meu bom padre?

         O padre ficou admirado, surpreso com aquela pergunta.

         - Partir para onde?

         - Ora, então já não estás de malas prontas?

         O Vigário, levantando-se, chamando por Mercês, ordenou que trouxesse duas xícaras de café, mas só se fosse bem quente. Nada de café frio. Foi apanhar dois charutos. Entrega um a Adrião Bezerra e começa a burilar o seu, cheirando-o, e dizendo:

         - Puro Havana!

         Adroão Bzeera, retirando o chapéu, mostrando mais uma vez a cabecinha branca, concorda, imitando todos os gestos do padre. Chega o café, o visitante lança um olhar perscrutador sobre a fogosa empregado e, não notando nada de anormal, fala ao seu interlocutor:

         - Bom. A hora do almoço se aproxima, vou ser muito breve, somente o tempo de dar umas boas baforadas neste belo charuto.

         Padre Benedito solta uma gargalhada com gosto, empinando a cabeça para trás. Depois de beberem o café fumegante, automaticamente, acendem os respectivos charutos. O amigo de batina solta um esposo tufo de fumaça para cima e repergunta:

         - Quem foi o boateiro que inventou mais essa de que estou para ir embora?

         Adrião Bezerra, mais uma vez, invejando o gesto de prazer do padre, deixa escapar da boca uma fumaça que mais parece saída de uma chaminé de um trem.

         Complementa:

         - Ninguém. Apenas intuição. Como já deixastes uma obra espetacular em nosso município que vai lembrá-lo para sempre em Verdejante, pensei:padre Benedito deve ir embora, talvez...

         - Não, não, não pense. Claro que vou ter que sair de Verdejante. Mas não agora...

         Disse o padre Benedito, sempre fumando e soltando tufos de fumaça para cima. Olhando-se para o teto, poder-se-ia distinguir que um verdadeiro nevoeiro de fumaça boiava, procurando as brechas no telhado para sumirem de vez.

         Adrião Bezerra ficou satisfeito com as explicações do amigo padre. Agora poderia tranqüilizar o neto. Recolocando o chapéu e pegando a bengala para o apoio e levantar-se da cadeira, ao mesmo tempo foi dizendo:

         - Vou mandar o Guerra ter com você. Ele que, de fato, ouvira os outros fedelhos propalarem que ias embora de Verdejante. Confesso que ele quase chorou, e eu quase o acompanho naquele prenúncio de grande tristeza.

         Padre Benedito ficou comovido.

         - Obrigado meu grande amigo. Diga ao meu afilhado que fique descansado. Ele será o primeiro a saber, de mim mesmo, se um dia eu tiver que ir embora de Verdejante. Manda ele hoje à tarde. Quero tomar as últimas lições com ele.

         Adrião Bezerra fez que sim com a cabeça e saiu a caminho da porta de saída. O Vigário insistia para que ficasse e almoçasse com ele. Agradeceu mais uma vez, apertou a mão do amigo e se encaminhou à sua residência.

         Nem calculavam o quanto os amigos Danta e Guerra, livres e soltos tomavam um banho prolongado nas águas mornas da lagoa. Cangas-pé, brinquedo do “capão cozido”, que já estavam cansando de tanta algazarra.

         Resolveram voltar da lagoa. Hora de matar a fome. Subiram quase correndo as barreiras. Cada um para a sua residência. Baião-de-dois com corredor de boi. Que delícia! Guerra comeu à valer. Bebeu água dormida de ontem. Seu irmão, João batista, perguntou-lhe pelas lições do dia anterior. Foi buscar o caderno e mostrou ao professor. Este lhe fez elogios:

         - Muito bom. Está mais adiantado do que o previsto. Assim, logo, logo você vira um doutor!

         Os dois riram.

         - Sim, antes que me esqueça, padre Benedito quer que você vá até à casa paroquial. Quer levar um papo com você e fazer perguntas sobre o seu progresso nos estudos. Mas basta ir tardezinha.

         - Quem deixou recado?

         - Vicência veio que avô Adrão Bezerra mandou.

         Guerra pensou: Meu avô é o maior!

         Disse que sim, ao irmão. Nada mais havendo a tratar com o irmão, correu em busca do amigo Danta. Este estava a engolir, queimando até o céu da boca, arroz de leite fumegante. Ao avistar o amigo, fez um gesto com a mão para que esperasse um pouco. Doma Joana ofereceu a Guerra arroz, agradeceu. E lá estava Manoel Dantas, sempre a mastigar e girando o molho de chaves no dedo indicador da mão direita.

         Quando Danta largo, finalmente, o prato. Os dois correram até o fim do quintal. Debaixo de uma sombra que havia por ali, espécie de latada que protegia as galinhas do sol inclemente.

         Danta foi o primeiro a falar:

         - Hoje de tarde vou jogar bola aí na frente da Legião.

         Guerra nada dizia, somo sempre. Mas, depois de alguns instantes, convidou o amigo:

         - Vamos ao Estreito pegar areia fina e algumas buchas. Socorro me pediu para fazer isso.

         Danta ficou todo animado.

         De um salto, ficou em ponto de bala, queria mesmo mergulhar na parte mais funda da lagoa. O nome Estreito é porque os dois extremos da lagoa, norte e sul, naquelas imediações focam a menos de 10 met5ros uma margem da outra. Em compensação ninguém toma pé por lá. Bom para mergulhar de ponta, isto é, com a cabeça para baixo. Faz-se carreira, pulando na beirada e de ponta cabeça cai na água e vai até lá em baixo... Ameninada gosta muito de tomar banho naquele ponto.

         O dia passava das 13h000, os dois companheiros saíram rumo ao Estreito. Levaram duas latas vazias de Leite Ninho para apanhar a areia fina e branca. Espécie de acessório para limpar louças. Esfregava um pouco daquela areia juntamente com sabão. Num piscar de olhos a vasilha ficava brilhando. A bucha de também tinha essa utilidade.

         O Estreito estava deserto. Nenhum banhista. Nem pescador. Os pescadores gostavam de ficar por ali, colocar as redes de arrasto, ou com tarrafas pegar os peixes que havia em abundância.

         Os dois deixaram as camisas e as latas do lado de cá, e mergulharam na água. Apesar do sol, no fundo era bem fria. Que delícia, que folguedo! Liberdade. Era uma vida feliz de criança, Saber nadar, banhar-se em águas limpas. Atravessaram o pequeno barco de água. Do outro lado muitas carnaubeiras que estavam dando frutos. Com o auxílio de alguns pedaços de pau, derrubavam os frutos maduros, pretos e suculentos. Passaram muito tempo se refestelando com as carnaúbas. Depois caiam na água coma a cabeça para baixo. Subiam. Nadavam. Já perto da tarde morrer de vez, resolveram voltar. Apanharam a areia. Foram a um recanto onde havia as trepadeiras com os frutos maduros e retiram o suficiente as buchas e regressaram para a rua.

         No caminho Guerra convidou o amigo para acompanhá-lo até à casa paroquial. Padre Benedito queria falar-lhe. Danta se prontificou imediatamente.

         Entregaram a encomenda a Socorro e se foram ter com o Vigário.

         De longe avistaram as três mulheres: Adofina, Cotó e Tilde conversando animadamente na porta principal da igreja. Que seria que estavam tramando? Qual o assunto engraçado para deixá-las tão animadas?

         Embicaram em direção a casa do padre. Lá chegando, a porta sempre aberta, deram de cara com Mercês. Rindo, roliça, mexendo os quartos avantajados, a jovem mandou que os dois subissem, padre Bendito estava esperando-os. Mas como, se ele mandou que apenas Guerra viesse?

         - Bom como vocês dois só andam de pareia, não tem como ser diferente. Unha e carne podem subir!

         Os meninos não escutaram mais nenhuma conversa, quase correndo, engolindo degraus, de repente se encontravam no sótão da casa paroquial.

         - Ora, ora, chegaram os dois mosqueteiros. Wilson, não está com vocês? Aí, sim, seria os três mosqueteiros!

         Danta explicou que Wilson deveria estar jogando com uma bexiga de boi que pegou na matança. Não viram àquele agora de tarde.

         Padre Benedito, lia um livro de capa grosa, de cor verde com uns desenhos esquisitos. Guerra perguntou do que se tratava aquela obra. O seu padrinho riu de leve, ajeitando-se na preguiçosa, e mandando que sentassem nas cadeiras respectivas, deu uma breve explicação.

         - “Crime e Castigo”, de um escritor russo: Fyodor Mikhaylovich Dostoyevsky.  

-         Padrinho, mas não tem como lê, são palavras difíceis, não são?

            O padre disse que era uma edição em inglês: Crime and Punishment. Que em português quer dizer “Crime e Castigo”. Depois fez uma breve explanação:

         - É a história de um jovem que comete um assassinato e depois não sabe com conviver com aquele peso na consciência. Em tudo vê perseguição. Neste romance o autor discute religião e existencialismos, pensar que, pelo sofrimento, o ser humano ganha a salvação.

         Os garotos ficaram admirados. Mas passados alguns instantes o padre, deixando a obra sobre uma mesa, dirigiu a palavra especialmente à Guerra:

         - Bem meu bom afilhado. O mandei vir aqui para ter uma conversa com você. Danta está presente, vai escutar o nosso colóquio.


RESUMO: O próximo capítulo acontecerá a conversa do padre e o afilhado. Mais as primeiras chuvas do inverno. Mais episódios envolvendo o Coronel Dito Saldanha. Os dois amigos, Guerra e Danta se envolvem em mais outras atrapalhadas... Chega a Verdejante o primeiro banqueiro do jogo do bicho. Esperem e verão!

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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.

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