quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Romance de Quinta


Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
  Por William Guerra*


CAPÍTULO XXIII

         Estavam os quatro Tilde, Adofina, Cotó e Adrião Bezerra nessas introduções quando, de repente, entrou o mudo de Maria Beltrão, cara redonda que nem um pão doce, alarmando. Gritava, quase falando. Eram enormes sons guturais e os olhos esbugalhados quase a saltarem das órbitas. Pelo seu alarma e zoeira sem parar, tudo fazia crer que procurava o padre Benedito. Os gestos e apontando o alto da cabeça e imitando aquele círculo sempre bem lisinho que os clérigos são obrigados a fazerem como sinal de sua ordenação, também. Chama-se tonsura.

         Adrião Bezerra decifrou a gesticulação do gordo mudo de Maria Beltrão e procurou apontar a casa paroquial e, certamente o Vigário se encontrava por lá. O mudo fez sinal que não e que a residência do padre estava bem fechada.

         Cotó foi quem tentou interrogar aquele surdo-mudo abrindo os braços e pendendo as mãos e falando:

         - Que foi que aconteceu que você chegou aqui tão afrontado?

         Mas o incapaz não entendeu nada e aumentou seus alaridos. Mais que ligeiramente veio ter com ele a sua mãe, Maria Beltrão, rindo sem parar, levar o filho de volta. Ela explicou que ele vira a Polícia inteira levando preso um homem. Que ele, o mudo, soubera que se tratava do homem que dera sumiço no bode. Pois o mudo de Maria Beltrão, como era conhecido na cidade, fora amigo do dono do bode e do próprio bode, até lhe alimentara algumas vezes. O circo Maior de Todas fora armado em frente à sua casa e, por causa disso, ganhou a confiança dos circenses e do bode Merlim. Entrara na igreja para dar a notícia ao padre Benedito, não encontrando, estava apavorado porque tinha que ser ele a informar ao Vigário que um homem fora preso – o homem que sumiu com Merlim, o bode artista!

         As mulheres caíram numa risada sonora e ao mesmo tempo contagiada pela aflição daquele surdo-mudo em fofocar junto ao Vigário, no que foram acompanhadas pelo Adrião Bezerra, depois que Maria Beltrão deu as devidas explicações. Nem se lembravam que se encontravam dentro da igreja que agiam como se estivessem num salão de diversões, não num templo religioso. Logo elas, as três beatas?

         - É sempre assim. Quando ele sabe de alguma coisa que acha importante, corre e vem contar ao padre. Com isso ele se sente uma pessoa importante, acho.

         Disse Maria Beltrão, já puxando o filho pelo braço. O rapagão, que de tão apressadamente penetrou à igreja tentando falar, que não perceberam que ele estava apenas vestido num calção desses bem folgados. Sem camisa e descalço. O mudo de Maria Beltrão, único filho da mulher que trabalhava em várias residências fazendo almoços em dias importantes, pois era uma cozinheira de grandes qualidades, acompanhava a sua mãe muito a contragosto, pois seu entusiasmo para ser o primeiro a noticiar a prisão daquele que matara o bode Merlim, decepcionou-se por não ter encontrado o padre que, aliás, prestava muito a atenção nas histórias do mudo e até entendia suas gesticulação e seus sinais.

         A paz volta ao ambiente da igreja. Passados alguns instantes, as mulheres e Adrião Bezerra reiniciaram ao assunto que encetavam antes da chegada abrupta do mudo noticioso.

         Disse Adrião:

         - Até que enfim o delegado justificou o seu salário. Prendeu, mesmo depois de tanto tempo, o carrasco do bode adivinho!

         As três concordaram gesticulando com a cabeça. E Tilde interroga o homem:

         - Pois sim, senhor Adrião, o que se está passando com o nosso querido Vigário?

         Adofina completou:

         - Alguma doença incurável?

         Foi a vez de Cotó:

         - Ou o Alambique não vai dar certo para ser inaugurado ainda neste final de ano?

         Elas não atinaram para o verdadeiro assunto. Nem lembraram que já um começo de boato surgia sobre o padre Benedito e a empregada Mercês. Foi nessa oportunidade de humor e desconcentração, ali em plena igreja que Adrião Bezerra lhes pediu um grande favor:

         - Olhem meninas. Prestem a atenção. Escutem o que tenho para explicar e, ao final, pedir a vocês.

         Cotó ficou mais curiosa ainda:

         - Que danado de assunto tão importante o senhor tem para contar que não fala logo de uma vez? Para que essa volta inteira, vai lá à Paraíba e volta para dizer alguma coisa que talvez a agente até já saiba?

         Adrião Bezerra gostou daquele puxão de orelha. Continuou:

         - Bem senhoras. O nosso querido padre tem um grave problema e quer e precisa da ajuda de vocês três...

         Tilde, Adofina e Cotó se levantaram de uma só vez. Viraram-se e bem em frente a Adrião Bezerra, indagaram como se fossem uma só, falaram por uma só boca:

         - Qual a dificuldade por que passa o nosso amado Vigário?

         O homem, inabalável, sereno e rindo de leve, rodando a bengala entre as mãos, sem olhar para as mulheres que demonstravam uma sincera preocupação, falou:

         - Padre Benedito quer ir embora. Terminada a instalação do Alambique ele deve ir morar na Capital do Estado...
        
         Novamente as três, automaticamente, como tirando um peso enorme das costas, voltaram a sentarem relaxadas e, readquirindo o humo do começo daquela conversa, Cotó inquiriu, ainda:

         - O senhor lhe pediu para que fique em nossa cidade a frente da Paróquia, não foi isso senhor Adrião Bezerra?

         O homem pegou a bengala e passou a cutucar o assoalho da igreja, que era de tábua, mas sem nenhuma demonstração de nervosismo. Fazia aquilo por pura distração, maquinalmente, sempre que dava início a uma conversa, estando de posse da sua bengala preferida, procedia daquela maneira; batia o chão até formar uma marca. O piso de madeira antigo era de uma resistência fora do comum, nem uma alavanca seria capaz de esburacá-lo facilmente.

         Disse:

         - Sim, sim, sim! Argumentei que aqui era a sua segunda terra. Já morava conosco há tanto tempo, fazia parte da grande família...

         Tilde atropelou a falação do homem, dizendo, ao mesmo tempo em que perguntava:

         - E o padre? Ele falou que ficaria? Sim? Ou não?

         A resposta de Adrião Bezerra foi direta, mas truncada:

         - Nem disse que sim, mas também não disse que não. Muito pelo contrário... Disse que dirá sim quando chegar a hora exata. Que por enquanto é não, não irá já. Mas ao mesmo tempo em que disse não, disse sim também. Maneira que eu fiquei sem saber se a resposta do padre foi não, ou se foi sim...!

         Adofina começou a rir. Comentou:

         - Deus meu! Que confusão. Daqui a pouco o padre Benedito vai embora dizendo não. Ou poderá ficar dizendo não!

         As companheiras riram também. A palestra estava rumando para um tom hilariante. Mas era tudo o que queria Adrião Bezerra, o emissário das boas causas. Tinha que fazer com que as três beatas, que lhe poderiam dar um bom apoio, confiassem na sua palavra. Mas antes, tinha que fazer com que elas se animassem, e, depois de bem à vontade ele teria a chance de lhes pedir o favor que trazia entalado na garganta.

           Tilde, então, mediante aquela dúvida, falou:

         - E se nós quatro fôssemos agorinha mesmo lá onde ele estar, pedir para que fique em nome de todos os paroquianos, adiantaria alguma coisa para que ele diga sim, em vez de dizer não?

         - Eu tenho um plano!
        
          Exclamou o homem mais teimoso do lugar. Ainda bem quer a sua predileção nas conversas, ou seja, ficar teimando o tempo todo, naquele momento não lhe apetecia. Sua intenção era outra, fazer das três religiosas de carteirinha suas soldadas para defenderem o nome do padre frente aos revoltosos, pois, sabia, a guerra estava próxima.

         O que Adrião Bezerra não contava, naquele precioso instante, era que Marida de Dodô, que arquitetava um Presépio para a Noite de Natal, veio, fazendo careta, lhe provocar, perguntando o que estava fazendo na igreja àquela hora da manhã?

         - Sei Maria. É proibido entrar na igreja? Tem hora marcada para a gente sentar num banco desses para meditar um pouco?

         A ranzinza zeladora dos altares do templo respondeu, ainda fazendo careta – era uma das suas características, ou seja, um dos seus cacoetes -, rindo e mostrando um dente de ouro colado na enorme prótese superior:

         - Não amigo Adrião. Mas pelo que eu saiba meditar não é conversar e rir. Rir e conversar com outras pessoas...!

         - De fato. Nós aqui ríamos e palestrávamos. Contudo não atrapalhamos ninguém. Mas quanto a você, que deixou sua arte de fazer uma Lapinha do Menino Jesus, veio justamente atrapalhar a nossa meditação, quer dizer, a nossa conversação!

         A mulher, arrumando o cabelo com uma fita, aumentando a careta, parecia que algo estava com um cheiro ruim no seu nariz, saiu protestando:

         - Adrião Bezerra, o teimoso! Sempre a querer mostrar sabedoria! Tem o que ver!

         Sumiu pelo períbolo da igreja. Daria a volta e entraria novamente pela porta da Sacristia, onde Manoel Dantas, mastigando as gengivas, dava um trato nos paramentos clericais.

         Em Verdejante, quem tivesse um rabo de palha, não havia como escapar dos mexeriqueiros. Tudo nasce como simples picuinha, difamações que vão de boca em boca ,e quando menos se cuida, lá adiante já pode-se ter uma enorme injustiça sendo feita, às vezes, contra um inocente. O murmurar das pessoas cresce de vulto, avoluma-se e passa a prejudicar, em muitos casos, quem não tem culpa alguma. Mas é assim. Cidade pequena. Nada para fazer. O que resta é falar da vida alheia.

         Existem àqueles ou àquelas que possuem uma língua difamadora por opção, ou por mero e feio costume de falar mal, em especial falar mal de outrem. Isso é próprio da natureza humana e/ou porque a falta do que fazer aguça a mente de cada para sair inventando coisas. E tem coisa inventada somente para derrubar um alguém. Pode ser premeditado ou por acaso.

         O caso era bem esse o do padre Benedito Basílio Alves, às voltas com sua paixão por Mercês (muito bem correspondido, diga-se de passagem) e as invencionices que em muito o prejudicava, não somente à sua pessoa, como à igreja da qual era um representante.

         Isso tudo matinava na cabeça o senhor Adrião Bezerra. Está com uma certeza indizível dentro dele, depois que o neto, Guerra, veio preocupado na sua inocência de criança ainda, contou o que se passara na residência do pai de Wilson. Logo, logo as ruas estariam repletas de boatos de toda espécie. As maiores ignomínias em direção ao Reverendo, isso não lhe resta a menor dúvida, acontecerá. Mas há de cortar o mal pela raiz, ou pelo menos minimizar a repercussão do assunto que deve causar mal-estar na população.

         É uma bomba relógio que a qualquer momento vai estourar. A sua missão é desmontar essa bomba. Tem, ainda, a seu favor Vicente Mia, padrinho de Mercês; os pais desta; Guerra, menino esperto. Necessita imediatamente da confirmação das três religiosas inveteradas para que façam parte da sua estratégia de combater a boataria que começa a nascer, feito planta daninha.

         As horas se passavam e a conversa ficava nesse vai e vem sem uma definição. Vez em quando aparece um intrometido e tudo volta a estaca zere. Foi aí que a voz decidida de Cotó bradou para valer:

         - Adrião Bezerra! Maria de Dodô já se foi. Falta somente o senhor desembuchar o que tem para nos dizer. Já entendi que o senhor que reza para alguma alma sofredora, e que essa alma sofredora é a do padre Benedito! Diga a que veio e estamos conversados!

         Nesse tom era mais ruim para Adrião Bezerra. Não apreciou nada a fala da mulher. Mas, passando a bater com mais força a bengala no piso de madeira da igreja, conteve-se e respondeu:

         - Está bem dona Cotó, a senhora ganhou a parada! Padre Benedito Basílio Alves vai ser alvo de um triste boato pelas ruas da cidade e por todos os recantos do município. Vão leva-lo ao ridículo tentando desmoraliza-lo!

         As três não ficaram admiradas. Contrariando Adrião Bezerra que soltara um pouquinho só do que ainda tinha para dizer, Tilde, Adofina e Cotó caíram numa risada que até poderia ser um chamariz para quem estivesse por perto. O homem não entendeu nada. Ficou assim como quem está na missa sem saber o que passa.

         - Qual é graça?

         Perguntou bem desconfiado. Elas lhe disseram que já sabiam de tudo. Aí quem ficou admirado foi ele.

         - Como!?

         Tiulde falou em nome das outras duas:

         - O que é que o senhor acha que nós estamos fazendo aqui, quase hora do almoço?

         Adrião Bezerra, gesticulando, disse:

         - Rezando, ora!

         Nova gargalhada e, desta vez apareceu Manoel Dantas com seu molho de chaves rodopiando no dedo.
          
         - Hummmm a conversa aqui está animada...

         Gargalhou também. Sequer sabia do que se tratava. Contudo, Manoel Dantas estava inteirado do assunto que as três mulheres tratariam com o padre, daqui a pouco, por isso não houve o menor constrangimento, ria sem saber porquê ria, mas ria e mastigava as gengivas.]

         Parece que eu sou quem estou quem nem peixe fora da água, aqui?Pensou Adrião Bezerra, de si para consigo. E continuou a pensar: o negócio é ir em frente e revelar, da sua parte, o que queria com as mesmas. Que fazer? E se o que elas estivessem sabendo não fosse o mesmo assunto que ele também sabia?

         Foi cumprimentado pelo sacristão. Manoel Dantas consultando o relógio de algibeira,s danadas murchas coçavam bastante.
 hmarcou para conversar com as beatas ali mesmo, na igreja.
em coisa inve constatou que já estávamos perto das 11h00. Teria que ir chamar o padre que marcou para conversar com as beatas ali mesmo, na igreja.

         - Bem, se vocês me dão licença, vou buscar o Reverendo.

         Saiu, rodopiando as chaves no dedo indicador da mão direita e mastigando as gengivas que, dizia, aquele hábito era porque as danadas murchas coçavam bastante.


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RESUMO: Ligeira confusão. Adrião Bezerra imagina que as três beatas já sabem o que ele tem para revelar; elas também pensam que o que ele tem para lhes dizer é a mesma coisa que elas já têm conhecimento. E nada disso é verdade. Só nos capítulos vindouros saberemos.

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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.

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