domingo, 18 de setembro de 2011

Romance de Domingo




Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
  Por William Guerra*

CAPÍTULO XXVI

         Cinco horas da manhã. Manoel Dantas sempre com o molho de chaves a rodopiá-lo no dedo. Mastigando nada, cócegas nas gengivas murchas. Naquele domingo, subiu as escadas da alta torre, foi espiar, lá de cima, o nascer do sol. O quebrar da barra. Viu quando o astro-rei surgia, de mansinho, lá pelas, quebradas do mar, na Paraíba.

         O sacristão ficou emocionado. Há quanto tempo não assistia àquela beleza sem paz. O pôr-do-sol, entretanto, quase toda tardinha assistia lá do quintal da sua casa. Mas o nascer do sol, quantas manhãs lá se vão sem que fique atento a esse parto da natureza diário. Em fim, o dia clareou e chega mais um domingo. Missa e, logo mais, o ferver de gente na feira próximo ao Mercado Municipal.

         Puxando a grossa corda que prendia ao badalo do sino, fez a secular chamada para a missa das sete horas. Abrira as portas da igreja horas atrás. Tudo arrumado. Tudo pronto. Manoel Dantas era um zeloso sacristão9, pontual e fazia tudo com esmero e gosto. Ele mesmo fabricava as hóstias que seriam consagradas no altar. Ele mesmo encarregava-se de mandar lavar e engomar os paramentos do Vigário. Limpava a enorme lâmpada pendurada por enorme corrente no centro da igreja. Toda de prata. Custara uma fortuna a um verdejantense que a comprara em Portugal e mandara de presente à Paróquia. Talvez o mesmo cristão que enviara o sino e a santa do naufrágio, Nossa Senhora da Conceição.

         Aos poucos os fiéis foram chegando. Alguns tinham suas próprias cadeiras colocadas por ali. Outros se acostumavam a sentar num só local nos enormes bancos de madeira, virava  assento cativo daquele que se habituara naquele lugar. Era impressionante. Cada família, cada casal, ou cada pessoa, só sabia ficar naquele local escolhido há muito tempo.

         Daqui a pouco a igreja estaria repleta de fiéis. Alguns senhores ficavam se amostrando no oitão da igreja, palestrando, inventando boatos ou ouvindo as novidades trazidas por Elísio Pinto, o maior boateiro masculino de Verdejante. As más línguas diziam que ele daria a vida por um boato. Nas rodas que se faziam dos homens que iam à missa aos domingos, do lado da sombra da igreja, todo tipo de assunto era ventilado, desde a prisão de Jesus ai aparecimento de Dorotéia na janela do sobrado.

         Pois lá estava a população quase que em peso da cidade, até da zona rural chegavam pessoas que vinha exclusivamente à feira, mas aproveitavam e assistiam uma missa. Quase não cabe mais ninguém naquele recinto sagrado. E quando o canto de entrada ia começar algo espetacular ou inusitado aconteceu. Todos, sem exceção, viraram a cabeça em direção a uma vulto que penetrava, solenemente o âmbito da igreja. Em seguida um oh! De exclamação entre todos. Em seguida um silêncio profundo. Aquela pessoa atravessou todo templo pelo corredor principal. Chegando perante o altar, onde já se encontrava o padre Benedito Basílio Alves, fez genuflexão, se benzeu e foi se arranjar num canto do banco da frente que alguém lhe ofertou.

         As beat5as, Tilde, Adofina e Cotó não perderam tempo, começaram o maior cochicho. Houve espécie de disse me disse dentro da igreja que foi algo para se ver mesmo. Necessária a intervenção do Vigário àquele começo de balbúrdia.

         E lá também se encontravam Danta, Guerra e Wilson. Este último exclamou à voz sonora e firme do padre Benedito.

         - Vixe!

         Todos os olhares eram para aquela criatura. O que foi que aconteceu? Um milagre! Só pode ter sido. Poucos sabiam o que realmente estava acontecendo. Os três meninos sabiam. O celebrante, também. Mais algumas duas ou quadro pessoas. Nada mais.

         Vestida de azul, corpo ainda esbelto, apesar de um pouco magra. Pela muito alva, há muito não andava debaixo de sol. Mantilha na cabeça e um leque para se abanar. Que transformação, para os que a viram no seu confinamento voluntário, isso só pode ter sido um grande milagre. Muito ruge nas faces. Um perfume inundou todo o ambiente religioso. Unhas pintadas. Trazia nas mãos um missal e um terço. Recatada, discreta, um leve riso nos lábios, olhava a imagem de Cristo crucificado num dos altares laterais.

         Sua mãe, que a acompanhava, séria, mas sem esconder o contentamento da filha, a sua decisão de voltar ao convívio das pessoas, dos amigos. Mas, entre as pessoas ali presentes, só se via era um falando ao ouvido do outro, certamente fofocando sobre Dorotéia, a moça mas prendada e bela da cidade que, após o triste episódios que todos já sabem, houvera por iniciativa própria, se recolhido a um quarto do sobrado onde morava e que, hoje, vem à missa de domingo alegre e faceira, apesar de um pouco debilitada, provocava justamente esses comentários: uns maldosos, outros de puro elogio.

         Padre Benedito, passado os momentos de suspense pela aparição da moça, finalmente diz alguma coisa e dá início à celebração em latim, até o et missa est!

         Durante a homilia, padre Benedito Basílio Alves aproveitou para convidar todos a visitarem a Lapinha, certamente erguida e bem zelada pela moça velha Maria de Dodô e, também, quem se dispusesse, poderia ir até o sítio Malhada Vermelha, na manhã do dia 25 do mês (dezembro) para a inauguração do seu Alambique e fez a primeira propaganda de cima do púlpito:

         - Cachaça da boa, pura, sem mistura de nada. Futuramente será exportada para o mundo todo!

         Exagerou. Depois deu boas vindas à moça Dorotéia.

         - Seja, caríssima menina Dorotéia, novamente bem-vinda à nossa amada igreja. Agora os anjos que a protegem não deixaram que caia em contradições. Os teus, tenho certeza, terão muito orgulho de ti daqui para frente. Que Deus te abençoe.

         Enquanto Vigário dirigia essas palavras à jovem, todos tinham dirigido o olhar para ela. Uns até se levantaram de suas posições para melhor distinguir àquela que fora envolvida num lindo caso de amor, que terminou em tragédia. E ela ali, cabeça erguida, sem orgulho, mas firme, como deveria ser uma pessoa depois de ter passado o que passou.

         A porta principal da igreja estava repleta de gente. Todos queriam cumprimentar Dorotéia. Mas ela havia se dirigido ao interior do temp0lo, na Sacristia conversava com padre Benedito.

         - Padre, quero lhe confessar meus pecados. Hoje não. Talvez na véspera do Natal. Pode ser?

         Padre Benedito Basílio Alves, retirando os paramentos, dizia à ela e à sua mãe, que também fora à Sacristia:

         - Filha, tu não tens pecado. Mas posso te atender dia 23, à tarde, no confessionário. Mas acho que somente para lhe aconselhar. Se for por causa do que aconteceu há meses atrás, fica tranqüila. Não vi pecado em sua atitude, mas, sim, muita coragem e muito amor.

         E riu. Ela encheu os olhos de lágrimas, mas esboçou um riso leve, sinal de que recuperava, aos poucos, sua auto-estima. Sua mãe cada vez mais ficava mais animada. Era como ver sua filha ressurgir das cinzas. Sabia daquela história mitológica: a Fênix que ressurgiu das cinzas. Assim acontecia com a sua filha amada. A partir de agora só a felicidade da filha interessava, mais nada.

         Voltaram. Depois de se despedirem do padre, passaram em frente ao altar, Manoel Dantas apagava as velas com as digitais dos dedos molhados pela língua, e se foram até à porta. Verdadeira multidão a esperava para lhe cumprimentar. Quem não soubesse do que se passava realmente, talvez pensasse que Dorotéia acabara de casar, para receber tanto aperto de mão e votos de felicidade. Não se fez de rogada, ia distribuindo a todos abraços, apertos de mãos, beijos e risos de intensa alegria. Era como se ela fosse uma candidata a algum cargo nas próximas eleições. Os últimos a cumprimentá-la foram Wilson Danta e Guerra, crianças sapecas e envolvidas com quase todos os acontecimentos de Verdejante. Guerra segredou-lhe ao ouvido:

         - Antonio de Luzia manda, através de mim, um beijo para você...

         Ela o abarcou e beijou-lhe no rosto, dizendo também ao seu ouvido:

         - Diga-lhe que adorei... Que lhe mando um abraço e um beijo, também...

         Guerra ficou corado e sorriu. Dorotéia e a mãe tomaram o rumo do sobrado. Os amigos ficaram com inveja. Desceram saltitantes, iriam até frente à casa de Janoca Pade, vê se pegavam algum animal para banhar na lagoa. Era sempre assim em dia de feira. Os sitiantes vinha para a feira, vendiam seus produtos que por ventura fabricavam ou produziam nos sítios, e compravam as mercadorias que necessitassem para a semana.

         Os pés de figo em frente à casa de Janoca estavam repletos de cavalos, burros, jumentos, todos amarrados aos troncos das antigas árvores. Todos em osso, sem nenhum arreio, somente o cabresto que os prendiam. Os seus donos mandavam os meninos darem um banho e para que bebessem água, na lagoa. Pelo serviço ganhavam alguns trocados e fitavam desfilando sobre os animais pelas redondezas.

         Na feira centenas de pessoas andando de um lado para o outro. Tudo p-ara vender, gente para comprar. Nu, recanto de uma calçada velha estava um sujeito com um macaquinho prego anunciando os seus produtos à venda. Eram versos de cordel, folhetos os mais variados. Dizia ele com os seus pregões:

         - Venham, venha comprar o seu folheto com a história do Pavão Misterioso. Vejam como o amor faz milagre. Um Pavão feito pelo homem que voava e que roubou a donzela do Castelo do rei!

         E macaquinho ali, serelepe, astuto e olho sempre vivo atentos a tudo e todos. O homem pergunta, agora ao macaco:

         - Quantos anos você tem, Chico?

         O danado arreganhava a boca mostrando os dentes, em sinal de deboche e cruzava os braços para o contentamento da platéia. Aí o vendedor de versos de cordel se admirava e dizia:

         - Sim, você ta brincando comigo? Pois vou lhe ofertar uma banana, quero saber se não me diz quantos anos você tem?

         O macaquinho coçava o cocuruto e rodopiava de alegria ao receber a banana. Descascava a fruta e a devorava em rápidas dentadas, jogava as cascas num espectador que provocava gargalhada nos presentes e, em seguida, dava três pulos mortais. O povo aplaudia. Aí o pequenino primata domesticado ficava mais arisco e, de pé, quase igual ao humano, levantava os braços e apertava as duas mãos como se estivesse acabado de ser consagrado o herói, aquele que conquistara o primeiro lugar.

         A meninada era a que mais apreciava as escaramuças do macaquinho prego, de nome Chico. Sempre esse senhor vendedor de folhetos com versos de cordel vinha à cidade, em dia de feira. Os mais diversos folhetos: A Louca do Jardim, A Filha do Capitão, A Peleja de Ferrabrás e o Diabo No Inferno. E tantos outros que faziam a cultura popular nordestina. O animalzinho de estimação que o acompanhava, aquele macaquinho, o Chico, era apenas uma atração para poder propagar a sua mercadoria. Assim conseguia juntar muita gente em volta e vender o seu produto.

         Daqui a pouco Danta, Guerra e Wilson apareceriam para rirem a valer com as diabruras do pequeno macaco.

         Mas, num boteco, cujo proprietário era um senhor cego, completamente cego, mas quem despachava e recebia o pagamento e passava o troco, Zé Rodrigues, estava acontecendo alguma coisa, pois o aglomerado de pessoa ali também era grande. Talvez maior do que aquele que ficava em volta ao propagandista vendedor de versos.

         Pois assim é que se dava, naquela birosca, o encontro do Coronel Dito Saldanha e seus correligionários. João Batista, Alfredo de Terta, Vicente Maia, Luis Leite, Doutor Nego, Palpito, Afrânio, e mais alguns agregados que simpatizavam coma oposição ao Coronel Lucas Pinto.

         A cachaça rolava solta. Tudo por conta do Coronel Dito Saldanha. A cada passagem de um amigo, conhecido pela calçada do bar, era convidado a chegar próximo ao Coronel e lhe apertar a mão. Sinal de respeito e solidariedade ao seu partido.

         Havia uns sujeitos mal-encarados pelas redondezas. Diziam ser os capangas daquele homem político e chefe de quase toda uma região. O Coronel Benedito Saldanha, que todos conheciam apenas como Coronel Dito Saldanha, era um homem alto, forte de chapéu de couro na cabeça. Dente de ouro que vivia à mostra, uma vez que trazia um riso constante na boca. Nos dedos alguns anéis, talvez de ouro. Calças de caqui marrom e camisa de riscado com mangas compridas. Falava com força. Trazia preso ao punho esquerdo, pois o Coronel era canhoto, um rebenque de couro cru trançado, com uma bolinha de chumbo na ponta. Diziam os mais chegados que aquilo era uma arma poderosa, só tinha coragem de carregar e usar quem fosse bastante poderoso. Símbolo de valentia, poder e fama. Logo perceberam que Alfredo de Terta, um seu preposto em Verdejante, estava carregando um quase igual no ponho direito. Imediatamente Alfredo se viu bem respeitado e temido.

         De repente entra no recinto de balcão puído, teto estragado de onde pendiam algumas teias de aranha, uma senhora segurando uma bolsa de palha e chorando.Ela ouvira falar que aquele Coronel era pessoa de bem e que resolvia qualquer problema do povo, principalmente se o caso era de injustiça. O Coronel mandou que todos se afastassem, e procurando demonstrar que não estava em Verdejante para brincadeira, logo teria que apresentar suas fichas e impor respeito, perguntou àquela mulher qual o motivo do seu pranto e desespero.

         A mulher, entre um soluço e outro, respondeu em tom de queixa:

         - É que um sujeito daqui me vendeu essa corrente de miçanga dizendo que era de ouro...

         Momentos de expectativa. Que sucederá? Que irá acontecer? O Coronel, pegando aquele objeto, avaliou e ordenou que dessem um tamborete para que a mulher sentasse e trouxessem um copo com água para a mesma. Tudo foi providenciado. De trás do balcão, Zé Rodrigues, cego, mas farejando as coisas desse lugar e descobrindo somente pelo faro, tato e audição, falou de onde estava:

         - Coisa de Quinca Amarelo! Vai vê foi ele quem vendeu gato por lebre...?

         A mulher, enxugando o rosto com um pano, mais calma, ao ouvir aquele nome, confirmou:

         - Si8m, sim senhor! Foi esse homem, sim, quem me vendeu.

         Coronel Dito Saldanha manda que alguém procure o dito cujo para ter com ele, imediatamente. Nesse ínterim, ele indaga da mulher se ela não foi se queixar com o delegado. Ela disse que sim. Não adiantou nada. O pior, disse a mulher em prejuízo, que aquele dinheirinho seria para as compras da outra semana, mas fora enganada por esse tal de Quinca Amarelo.

         Apareceu o homem. Queimado pela aguardente. Traziam um surrado saco de lona com algum objeto comprido dentro. Mascando fumo, cuspindo de lado, ficou frente a frente com o Coronel Benedito Saldanha, que o indagou de chofre:

         - Reconhece essa senhora?

         Confirmou balançando a cabeça.

         - Esse troço aqui todo enferrujado?

         Dentro da bodega, fora, em toda parte, muita gente olhando, observando. Todos ouviram falar da fama daquele Coronel acostumado a dar surra em homem metido a durão. Com ele não tinha essa de desculpa, não. Ou era sim ou não! Fazia justiça com as próprias mãos. Era a lei do sertão que imperava por essas paragens. A lei do mais forte. Os mais enérgicos e com alguma fortuna, eram quem davam as cartas. O demais os obedecia ou os obedeciam. Tinha isso de Polícia, Justiça, não! Eles eram a própria Polícia e a Justiça. Faziam e destruíam em qualquer parte, sem que lhes acontecesse nada.

         Porém, aquele ditado antigo que diz: um dia é da caça, outro do caçador, sempre se torna realidade. Pois Quinca Amarelo, não se sabe como o fez, mas estava com a mão no cabo da faca 12 polegadas. Esta dentro do saco. O saco em cima do balcão sebento. E olhando fixamente para a corrente de cobre, ou de ferro nem ele mesmo sabia, respondeu:

         - Sei. É uma correntinha que eu possuía e vendi para essa mulher aí.

         Esse “aí”, gesticulou com o beiço espichado em direção àquela senhora que, em silêncio, fitava Quinca Amarelo com desprezo. Esta era homem meio atarracado, rosto já começando a secar por tanta luta, tantos dias sob o sol, e muitos anos de cachaça e fumo. De alpargatas de correi na venta, usava um chapéu de palha já decrépito, com a aba se desmanchando. E, ativo, não deixava de mirar o seu interrogador.

         O Coronel, levantando-se, ficou um palmo mais alto que ele, levantou o braço esquerdo que trazia o chicote de açoitar animal e pessoas que lhe desrespeitasse, bradou - o povo levou a mão à boca para ocultar um “Oh!!!” – com energia e toda força do pulmão:

         - Cabra, ou você devolve o dinheiro desta senhora agora, ou vai apanhar de chicote até as galinhas dizerem chô!

         Como a luz do relâmpago, Quinca Amarelo, apesar de toldado pela cachaça braba, encostou a faca no bucho do Coronel dizendo:

         - Não faça isso, senão eu aparo seu fato com as minhas mãos! Tem mais: primeiro que não obriguei esta senhora comprar a corrente. Segundo o dinheiro que ela me passou eu já gastei todinho com aguardente!

         Suspense no ar. Silêncio total. Uma mosca inventou de cruzar na frente dos dois, por incrível que pareça ouviu-se seu bater de asas. A intervenção do professor João Batista foi providencial.

         - Calma Coronel. O Quinca é pessoa de bem. Eu devolvo o dinheiro da mulher. Vamos fazer as pazes, nós todos...

         Dito Saldanha, cego de raiva, sentou e abaixou o rebente de couro cru que tinha uma bolinha de chumbo na ponta. Ordenou que Zé Rodrigues colocasse um litro de cachaça em cima do balcão e trouxesse mais um copo. Deu um sinal para que seus homens se acamassem. Chamou Quinca mais para perto e apertou-lhe a mão, dizendo, ao mesmo tempo em que este escondia a enorme peixeira no surrado saco de lona:
         - Vem, toma algumas conosco. Homem de coragem que nem você não se bate, faz-se amizade.

         Um alívio geral. Todos saíram dali elogiando a valentia de Quinca Amarelo. A mulher também saiu feliz com o seu dinheirinho de volta. Zé Rodrigues, do alto de sua sabedoria, sentenciou:

         - Entre mortos e feridos, salvaram-se todos!

         Gargalhadas e animação. Num piscar de olho encontram-se completamente embriagados o Coronel Dito Saldanha e Quinca Amarelo. A reunião do partido foi adiada para o próximo domingo.

         O delegado Luiz Marchante ouviu falar do entrevero. Mas observou, desculpando-se por não ter ido intervir e prender os dois:

         - Ora, se estão em paz, léu com creu, para que importuna-los? Eles que são grandes que se entendam.

         Todo esse alvoroço não foi o suficiente para atrair os meninos: Wilson, Danta e Guerra que se deliciavam com as peripécias de Chico, o macaco prego do vendedor de versos de cordel. Afeira parecia um formigueiro de gente transitando para lá e para cá, cada qual com seu saco às costas, seu caçuá oblongo e com asselhas,  repleto de bugigangas, outros levando braçadas de coisas embrulhadas em papel de jornal, ou segurando palhas de peixe, quilos de carne comprados no açougue ali bem perto. Um mundo de quinquilharias espalhadas pelo chão, em riba de mesas, encostadas em paredes. Na feira encontrava-se de um tudo, desde o alfinete ao pilão de pilar milho e fazer paçoca; do sabão fabricado com sebo de boi ao botão mais difícil de ser encontrado; do fumo de rolo, negociado aos domingos na banca de seu Anastácio, à vara de bambu que serve para derrubar palha de carnaúba. Tudo que se imaginar, na feira de Verdejante tem para vender.

         Depois das 13h00 os sitiantes voltavam aos seus sítios carregando em caixões sobre burros possantes, a chamada feira para a semana, mercadoria de toda espécie: do sal ao querosene para abastecer as lamparinas. Tudo. Víveres e remédios. Nada falta na feira para que o povo adquira, ou comprando à base da moeda ou trocando por outros trazidos para tal finalidade.

         Os amigos do Coronel Benedito Saldanha tiveram que improvisar um quarto na pensão de Antonia Lúcio para que este dormisse um bom sono, e, ao acordar, teria que voltar à sua fazenda Xiquexique no Arção, entre Verdejante e o Gavião. Quinca Amarelo dormitava tranqüilamente sob a copa de um antigo pé de Timbaúba, por trás da Legião.

         Guerra, Danta e Wilson ficaram decepcionados quando o homem que vendia versos de cordel desarmou sua barraca, colocando tudo nuns caixotes de madeira e suspendendo-os no lombo de uma mula, picou pela estrada que vai para as bandas de Caraúbas.

         João Batista, o professor, não gostou muito da primeira visita do coronel Benedito Saldanha a Verdejante, não. A impressão que lhe ficou foi a de um homem violento e metido a besta. Mas, quem era ele para desafiar o dono do partido que lhe dava oportunidade de se eleger prefeito? O negócio era aguardar o próximo domingo.


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RESUMO: O primeiro dia do Coronel em Verdejante não foi tão confortável. Dorotéia volta ao convívio social e vai viver um grande amor com Antonio de Luzia de Purana. João batista cada vez mais ganha o povão, enquanto instala a Sociedade de São Vicente e inaugura o primeiro rádio receptor na cidade. E o Alambique Malhada Vermelha produz aguardente da boa e vicia muita gente... Contribuição do Padre Benedito Alves à comunidade.
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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.
        

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