sexta-feira, 8 de julho de 2011

O tapete mágico da Tia Aninha

Por Galeno Amorim



Em Cruz das Posses, pequeno distrito rural rodeado por um mar de canaviais entre Sertãozinho e Jardinópolis, no Nordeste de São Paulo, havia um lugar para os livros. Mas era um lugar bem pequeno. Mesmo porque quase ninguém no povoado - que nos meses de colheita da cana é tomado por migrantes do Vale do Jequitinhonha e do Nordeste, muitos dos quais semianalfabetos - costumava aparecer por lá.

A pequena biblioteca, portanto, vivia literalmente às moscas. Ninguém dava bola para os livros. Nem para suas histórias e personagens mirabolantes que, de certo modo, continuavam sem licença para ali aportar. Mas essa história começou a mudar no dia em que chegou ao local aquela professorinha.

Então, começaram a cair por terra, um a um, todos os mitos, conhecidos e repetidos à exaustão: pessoas simples que, para sobreviver, precisam dar duro de sol a sol no trabalho árduo do campo não têm tempo para essas coisas; ou: nem dão importância aos livros, não gostam de ler e, provavelmente, jamais farão isso algum dia... Essas e outras bobagens que, após um conveniente banho de loja acadêmico, costuma-se repetir por aí.

Mas logo Ana Lúcia descobriria que não é bem assim. Ou melhor: que não precisa ser necessariamente assim. Mas que, ao contrário, se apresentar livros a leitores, e vice-versa, ajudar as pessoas a descobrir os encantos que existem por trás de cada história e até ensinar, se preciso for, a leitura a elas, pequenos milagres acontecem, sim. Todos os dias!

Enquanto viajava de ônibus, diariamente, entre a cidade e o povoado de 7 mil almas, a cabeça de Ana Lúcia ia fervilhando. Eram ideias simples. Certamente já materializadas por alguém em algum canto do planeta. Mas não custava experimentar ali, ela pensava.

A moça começou com uma pequena roda de leitura. Ela lia, interpretava, ouvia o que as pessoas tinham pra dizer. E todo mundo sempre tem algo a dizer. Quer ser ouvido. Primeiro, claro, elas estranhavam um pouco. Mas logo tomavam gosto pela coisa. E aprovavam cada uma das maluquices inventadas por aquela professora-quase-bibliotecária-mediadora-de-leitura tão apaixonada por livros e histórias.

O clube de leitura crescia como pão-de-ló.

Assim como faz o bom livro com seu leitor, Ana Lúcia nunca deixou de surpreender. Um dos grupos que se reúne na Biblioteca Pública de Cruz das Posses, uma vez a cada duas semanas, é o dos moradores mais velhos do antigo vilarejo. No dia em que ela lê com eles, por exemplo, o livro Quase Memória, de Carlos Heitor Cony, simplesmente se veste como uma dama das antigas. É sempre assim. E seus leitores e ouvintes também gostam disso.

Muitas daquelas pessoas que vão ali atrás de momentos de descontração e uma certa magia nem sabem ler. Mas a cada roda de leitura saem de lá com a sensação de que esse tal de livro é divertido e interessante, já que estão sempre aprendendo algo novo. É por isso mesmo que insistem em levar os sobrinhos e os netos, para que eles façam suas próprias descobertas.

Também por isso é que fazem questão de exibir, aonde vão, e com um sorriso de orgulho no rosto, suas carteirinhas de sócios da biblioteca, que está completando 15 anos de funcionamento. Já as crianças têm um lugar todo especial: o carpete que Ana Lúcia estende no chão para elas ouvirem histórias e folhearem os livros. Fica apinhado delas, leitores de agora e, quem sabe, de todo o sempre...

Mas talvez a prova mais contundente do valor que a biblioteca tem no imaginário coletivo local seja outro. Qualquer transeunte sabe informar ao visitante onde fica a biblioteca. Em Cruz das Posses, as pessoas não só sabem que existe uma biblioteca, mas para que ela serve e por que é tão bom ir até lá. Melhor: muitas delas inclusive vão até lá!

Talvez seja este mais um dos milagres do tapete mágico da Tia Aninha...





Fonte: Brasil que lê - Revista do Observatório do Livro e da Leitura


Nenhum comentário:

Postar um comentário