domingo, 15 de janeiro de 2012

Entrevista com a gestora da educação do RN


"A tolerância com a greve vai ser zero"
Reportagem de Francisco Francerle para o Diário de Natal

Se você tem infraestrutura, merenda, transporte escolar, livro didático de boa qualidade encaminhado pelo governo federal, onde está o problema? É que pode ter tudo isso, mas se não tiver o profissional para cobrir ,não tem nada" Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press

Que balanço faz do seu primeiro ano de gestão?

Foi um primeiro ano de imersão em um mar de problemas, tentando fazer com que eles fossem sendo equacionados com a máquina andando, porque não podemos parar. Temos que continuar andando e consertando, mas a pior maneira de trabalhar é trabalhar por impulso, apagando incêndio e foi isso que fizemos porque tudo foi resultado de um total falta de planejamento em todas as áreas, fruto de um processo de descontinuidade provocado por dez gestores em oito anos. Agora, não podemos criar a falsa expectativa de que em pouco tempo resolveremos todos os problemas. No primeiro ano trabalhamos quase doze horas seguidas e vamos continuar nesse pique, mas prejuízos tão graves não se resolvem com pouco tempo. Afinal, estamos gerenciando uma cidade com uma grande população de 310 mil alunos, 700 escolas, 28 mil professores entre ativos e não ativos, 18 mil ativos. 

Há poucos dias, Consult/Sinduscon divulgaram pesquisa colocando a educação como um dos piores problemas de Natal, pela falta de professores e estrutura física das escolas. Que avaliação você faz?

A educação do estado implica não só no processo de ensino e aprendizagem, mas num conjunto de suportes que muita vezes não se tem condições de gerenciar e manter. A estrutura física, por exemplo, foi um grande fator que gerou reportagens negativas porque os prédios escolares ao longo da história da educação do RN não passaram por um planejamento nem acompanhamento de acordo com a evolução da comunidade, antecipando-se aos problemas. Já a parte pedagógica fala por si só, pois temos os indicadores do Ideb que mostram o Rio Grande do Norte em situação muito desvantajosa em relação ao Nordeste e ao Brasil. Isso é algo que coloca a educação pública em um descrédito forte, à medida que ela não apresenta resultados à sociedade. Olhe o dilema, a população praticamente mantendo o fator social de investimento forte como a educação pública, no entanto com resultados pífios. Onde está a questão, se você tem transporte, infraestrutura, merenda, transporte escolar, livro didático de boa qualidade encaminhado pelo governo federal, onde está também o problema? É que pode ter tudo isso, mas se não tiver o profissional para cobrir não tem nada. Se falta professor falta também planejamento e gerenciamento que nos dê condições de saber as demandas maiores. Todo esse com junto de dificuldades não se processa de um dia para noite, mas isso é a falta de uma política de planejamento, repito.

A contratação de 3.500 profissionais de educação, dentre eles 2.900 professores, vai combater de vez o déficit escolar?

Não, não vai porque existem regiões que procuramos professores de determinadas disciplinas e não encontramos, como é o caso de Alexandria na região da Tromba do Elefante. Nesses casos, teremos um Plano B com aulões e aulas interativas para oportunizar o conhecimento escolar. Eu não sei te dizer, por exemplo, qual o número de professores que solicitarão aposentadoria este ano ou os que vão entrar delicença a gestante ou de saúde. Só em 2011 foram mais de 1.200 aposentadorias entre servidores e professores, que estavam represadas há 10 anos. Estamos autorizando agora as aposentadorias no tempo real. Os novos professores vão ajudar muito a reestruturar a rede e preciamos avançar com o processo de informatização de pessoal. 

O MP está cobrando a regulamentação pela Assembleia Legislativa da Lei do Professor Temporário. Deverá acontecer?

Sim, o professor temporário está assegurado até que venhamos substituí-lo por um professor concursado porque temos que pensar no profissional que tira licença, na professora que engravida e outras situações. Além disso, o resultado do concurso sai dia 28 de fevereiro e o ano letivo começa dia 01 de março, e até a contratação do professor leva um tempo, devendo acontecer até o mês de maio. O aluno não poderá ficar no prejuízo, vamos continuar onde tiver necessidade de professor, atendendo onde tem maior demanda.

Como viu a cobrança da imprensa nesse primeiro ano de gestão?

A imprensa cumpre seu papel mas nem tudo que é noticiado de negativo representa a realidade, nesse conjunto temos escolas com excelentes resultados. Na região metropolitana de Natal temos escolas com excelente gestão pedagógica que fez com que 42% das vagas do último Vestibular da UFRN fossem preenchidas por alunos de escola pública. Uma notícia que trouxe um impacto negativo muito grande, por exemplo, foi a de fechamento pelo Governo do Estado de mais de 300 escolas. 

Essa notícia foi manchete do Diário de Natal e tratavam-se de escolas devidamente registradas e muitas já estavam, inclusive, com a extinção publicada no Diário Oficial do Estado. Qual o foi o problema da matéria, na sua opinião?

A repercussão negativa da manchete diante de um problema que tinha que ser resolvido, pois as pessoas valorizam quando se constroem escola, mas quando se fecha ninguém entende que muitos daqueles estabelecimentos tratavam-se de escolas na zona rural que já estavam praticamente sem alunos e não se justica manter professores ali, tendo outros lugares onde sequer existe estabelecimento nem profissional. 

E com relação a esses 40% de aprovação no vestibular que se refere como de alunos advindos de escolas públicas. Nesse percentual estão incluídos principalmente alunos do IFRN, que são a esmagadora maioria. Qual o percentual das escolas estaduais nesse contexto?

Não temos números exatos. É verdade que o IFRN contribui com boa parcela mas todo esse dado é de aluno de rede pública. O problema não é que o IFRN não possa ser tratado como rede pública, mas que a rede pública estadual e municipal não alcança o verdadeiro objetivo que é promover uma educação pública de qualidade.

Como está se sentindo na educação do Estado tendo que derrubar um gigante de problemas a cada dia? A governdaora está lhe dando apoio para isso?

É um verdadeiro confronto direto, sinto-me a cada dia tendo que derrubar um gigante mesmo. Mas tínhamos consciência desse grande desafio, desde o convite feito pela governadora ao então reitor Ivonildo Rego quefez uma excelente gestão frente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte nos 12 anos que foi reitor. Tirou a universidade do anonimato nacional e a colocou numa grande projeção. Mas julgamos a projeção da UFRN incompatível com os resultados da educação básica do nosso estado. O que observamos é que pouco avanço teríamos com uma universidade com tanto protagonismo se a educação básica não prepara a geração para implementar essa universidade. Partindo desse princípio fui convencida a vir em nome da universidade. Além do mais, a governadora teve a feliz decisão de blindar a secretaria e ficar na linha de frente de todos os projetos da educação do estado. Para que a equipe funcione com esse protagonismo da universidade é porque tem uma retaguarda de governo que oportuniza e dá os passos que precisamos dar. Portanto, temos um apoio incondicional não apenas da governadora, mas de todo secretariado.

Na prática, esse apoio do governo tem resultado em quê?

Primeiro lugar, esse apoio me deu poderes para escolherminha equipe e definir as políticas que estão sendo e serão implementadas no decorrer da gestão, dando condições de buscar recursos junto ao Ministério da Educação e ao Banco Mundial. Nós estamos inserindo uma carta proposta junto ao Banco Mundial que o impacto na educação vai ser da ordem de US$ 92 milhões. Isso vai resultar na modernização de todo sistema escolar, informatização das escolas, e reestruturação administrativa da secretaria, reorganizando os processos de gestão para que tenhamos condições de trabalhar e chegar mais perto da escola, além de formação e qualificação dos professores.

Nesse primeiro ano de gestão, o que foi mais difícil de administrar, qual a sua maior dificuldade?

O mais difícil de minha gestão foi o impacto de uma greve desnecessária. Aquela greve de quatro meses foi desnecessária porque a posição do governo era valorizar o professor até onde pudesse ir e chegamos a 34%, garantindo o piso nacional. Foi o único estado que deu 34% em quatro parcelas garantindo o piso a ativos e inativos. Essa foi uma greve política, já anunciada desde o ano anterior, não partiu dos problemas da educação, até porque tinha uma equipe chegando. A greve foi inoportuna, indevida e ocasionou um prejuízo financeiro muito elevado. O próprio transporte escolar teve um grande prejuízo financeiro, da ordem de R$ 1,5 milhão, devido à contratação para a reposição de aulas até fevereiro. Uma reposição muito problemática porque o direito da greve é assegurado ao professor, mas o acompanhamento da reposição precisa ser feito pela secretaria. Também trouxe prejuízos para o os próprios professores que tiveram de refazer o período de recesso. Mas o maior prejuízo é o da imagem da escola pública, que não tem preço. 

Mas os profissionais já anunciaram a possibilidade de outra greve no começo do ano letivo, o que pretende fazer para evitar que isso aconteça? 

Se for por razão de piso não haverá greve porque está assegurado e continuará. A orientação da governadora é de que será honrado o piso. Aprendemos muito com o movimento passado, e tenho certeza que os professores e sindicato pensarão duas vezes na hora de implementar uma nova greve porque agora a tolerância vai ser zero. Desde que o estado se comprometa em garantir os direitos dos professores, porque sem eles não conseguiremos remontar a qualidade da educação do Estado, não haverá motivos para greve. Mas, se por algum motivo vier o movimento, a governadora deverá assumir a linha de frente porque será uma greve sem salários. Vamos mobilizar Ministério Público e todas as instâncias para orientar o governo a conciliar os interesses do sindicato com os interesses da sociedade para ter garantido os direitos do aluno.

Com relação a ônibus escolar, por que muitos alunos do Estado e, especialmente de Natal, têm sofrido tanto com esse problema?

Porque até então faltava planejamento de se construir escolas em áreas mais densas em Natal. Na Zona Norte, os bairros surgiram junto com uma demanda social muito forte. Isso mostra a falta de planejamento de acordo com demandas. No projeto junto ao Banco Mundial planejamos a construção de seis unidades escolares em áreas densas. Mas, independente disso, a secretaria adquiriru 100 ônibus escolares que estão no pátio administrativo e já entregamos 20 aos mais diversos municípios. Em Natal, o transporte escolar atende a mais de 6 mil estudantes.

Que outros projetos anuncia para 2012?

Temos um plano de ações articuladas com o governo federal que prevê a recuperação de prédios e inclusive dos CAICs que são construções do governo federal que foram transferidas para o Governo do Estado. Vamos recuperar agora cinco CAICs num impacto de R$ 8,5 milhões, em Mossoró, Assu, Ceará-Mirim e dois interdidatos. Também já estão assegurados recursos para uma recuperação total do pólo central de escolas do centro de Natal, que são o Atheneu, Churchill e Anísio Teixeira, que são três escolas emblemáticas da capital, responsáveis pela formação das principais lideranças da sociedade e há muto tempo estavam totalmente abandonadas. A ideia da secretaria é recuperar a imagem do Atheneu colocando a escola à luz das demandas da sociedades e do mundo atual com formações que atraiam o aluno e ter uma imagem de excelência. Vamos começar a pensar uma estrutura de consórcio que possa incluir Seec, empresas e universidades para recuperar a antiga imagem do Atheneu.

E sobre o Projeto do Ensino Médio Inovador, como e quando o Estado vai implantar?

Com o Ensino Médio Inovador, que já está sendo viabilizado, a escola sairá da perspectiva de escola regular, propedêutica que pensa em preparar gente para o Vestibular (que não prepara bem) para um currículo mais flexível, mas pensando nas necessidadades de trabalho do aluno, focado em três grandes eixos: ciência, tecnologia e cultura. Com isso precisamos inovar na estrutura curricular para que o aluno se interesse em permanecer na escola porque ele vê naquele currículo um futuro pra ele. Com o Ensino Médio Inovador o aluno agirá no contraturno nos moldes de uma Educação de Tempo Integral, em um turno fica no ensino regular e no outro ele acompanha uma série de componentes curriculares porque todos os estudos mostram que as escolas precisam de um curriculo que quebre um pouco essa escolarização com conteúdo que alcancem esporte, informática, questões culturais e habilidades que lhe preparem para o mundo do trabalho.

E o ensino profissionalizante como está, há escolas que ainda aguardam as reformas previstas pela primeira fase do projeto?

A educação profissional é um grande desafio que vamos aprender a enfrentar. Passamos nove meses indo a Brasília tentando resolver o problema das estruturas físicas dos prédios. Temos editais de escolas profissionalizantes que foram dadas ordens de serviço mas o MEC fez mudanças na contrapartida e nas exigências e tivemos que equacionalizar isso. Estamos implementando a construção das dez. Com isso, também temos as 57 escolas em reformas para o Brasil Profissionalizado, temos o Pronatec que foi lançado em parceria com os IFRNs e com a UFRN por meio de Jundiaí, além de Senai e Senac. A ideia é que seja criada uma Rede Estadual de Educação Técnica e Profissional contando com a parceria dessas instituições que são protagonistas do ensino profissionalizante. 

Com relação ao Governo do Estado, existe dívida com a educação estadual?

Não, o Estado não deve nada à educação, porque se o estado não cumpre com rigor os 25% e outras exigências, fica inadimplente junto aos governo federal. O Estado tem mantido as contrapartidas do transporte escolar, merenda e teremos que avançar agora para retirar os inativos da conta desses 25%, e tem que avançar em relação à UERN, que precisa ter autonomia financeira.

Em meio a todos os problemas, ainda podemos sonhar com uma educação de qualidade na rede pública do Estado?

Sim, temos obrigação de sonhar, é muito investimento da população para resultados tão baixos. Nós temos a responsabilidade social e política de equacionar os problemas da educação para a escola poder dar a contrapartida para o desenvolvimento social. Antes disso ser um sonho, é também responsabilidade não apenas do gestor, mas de toda sociedade. Temos que reverter a lógica de que o que é público é inferior. Preciamos lutar, e só conseguiremos com muito trabalh

Nenhum comentário:

Postar um comentário