terça-feira, 25 de junho de 2013

Palavras de dois gumes

Por Aldo Bizzocchi*


Neste novo Outono Quente que estamos vivendo (embora o inverno já tenha chegado), muitas pessoas se põem a fazer diagnósticos e análises que a velocidade dos fatos logo contradiz. A onda de manifestações que varre o país de norte a sul deixa perplexos não só os brasileiros que achavam que nosso povo jamais se levantaria contra os desmandos do Estado como também os analistas e sobretudo os políticos, que estão no olho do furacão. Esses fatos nos ensinam também o caráter efêmero e equívoco de qualquer fala, de qualquer pronunciamento, como se cada palavra fosse uma faca de dois gumes. Bem afiados, por sinal. Senão vejamos.

Embalada pela Copa das Confederações, certa marca de automóveis lançou uma campanha publicitária objetivando levar os torcedores às ruas para incentivar a seleção brasileira com o slogan "Vem pra rua!". Com a deflagração do movimento pela redução da passagem dos ônibus, esse slogan, convertido em hashtag no Twitter, tornou-se o chamamento para as passeatas. Não sei se por coincidência ou não, a campanha publicitária logo saiu do ar.

A seguir, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou que a manifestação era pequena, pouco expressiva e certamente produto de orquestração política (a velha mania dos políticos de creditar tudo a intrigas da oposição). Menos de um dia depois, a voz das ruas fazia o governador engolir suas palavras.

Então veio o polêmico Arnaldo Jabor em sua coluna no Jornal da Globo dizer que se tratava de um movimento ultrapassado da velha esquerda, uma ação de rebeldes sem causa. A indignação do público e os próprios acontecimentos forçaram o comentarista a publicar uma retratação sob o título de "Amigos, errei".

Mas outros jornalistas também tiveram de fazer sua "mea culpa". Marcelo Rezende, apresentador de um programa de crônica policial na Rede Record, elogiava ao vivo a postura dos manifestantes diante do prédio da Prefeitura de São Paulo, onde estava uma viatura da emissora, assinalando que protestavam ferozmente mas respeitavam o trabalho da imprensa. Poucos minutos após essa avaliação, vândalos depredaram e incendiaram o carro da Record, fato este que a própria emissora, ao contrário das demais, não noticiou de imediato (talvez por vergonha da gafe cometida?).

Eis então que internautas cavam no baú digital uma declaração antiga do craque Ronaldo de que não se faz Copa do Mundo com hospitais e sim com estádios. À época, entusiasmado com a escolha do Brasil para sede do Mundial, o público aceitou passivamente tal declaração. Recontextualizada no novo momento político, essa fala caiu como uma bomba.

Por fim (até agora, pois essa história parece nunca terminar), a presidente Dilma Rousseff, acuada e atônita pela revolta que bate à porta de seu palácio, decide fazer um pronunciamento à nação demonstrando compreensão das reivindicações dos cidadãos e compromisso com seu atendimento. Para isso, sua equipe de assessores, integrada, dentre outros, pelo ex-ministro duas vezes afastado por denúncias de corrupção Antônio Palocci, redige um primeiro discurso, que chega a ser gravado. Buscando o tom adequado num cenário em que qualquer palavra mal colocada pode injetar ainda mais combustível no inflamável humor popular, a equipe resolve convocar o marqueteiro do governo, João Santana, para redigir novo discurso, que vai enfim ao ar. Nele, a presidente tenta demonstrar sintonia com as causas defendidas pelo povo, muito embora leia um discurso fabricado tecnicamente como peça publicitária, em que o objetivo não é dizer a verdade, é convencer o público. Fala em combate à corrupção e democracia participativa muito embora tenha uma equipe de governo e uma bancada parlamentar de apoio formada de políticos corruptos e fisiológicos, alguns até condenados pelo Supremo. Palavras que buscam credibilidade quando os próprios atos presentes e passados as contestam. Palavras de dois gumes.

Na atual conjuntura, é preciso muito cuidado ao usar as palavras, pois elas podem voltar como um bumerangue contra quem as profere. De todos esses eventos, tiram-se duas lições: em primeiro lugar, até o momento ninguém soube compreender muito bem esse novíssimo fenômeno da política brasileira; em segundo, e por isso mesmo, qualquer análise que se faça pode em pouquíssimo tempo provar-se errada. Inclusive esta.

* Aldo Bizzocchi é doutor em Linguística pela USP, com pós-doutorado pela UERJ, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e autor de Léxico e Ideologia na Europa Ocidental (Annablume) e Anatomia da Cultura (Palas Athena). www.aldobizzocchi.com.b.

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