Imagem extraída do site Alagoas em Tempo |
Certamente chamou a atenção de alguns brasileiros de bom senso, a mobilização realizada pelos professores da rede pública de ensino, promovida no período de 14 a 16 de Março, que envolveu professores de mais de 20 Estados, cujos pontos em discussão, os motivos do movimento, se resumiam em: a) ampliação dos investimentos em educação, ou seja, aplicação de 10% (dez por cento) do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em educação, e pagamento do valor referente ao Piso Nacional do Magistério, ou seja, R$ 1.451,00 (um mil quatrocentos e cinqüenta e um reais), diga-se de passagem, para uma jornada de 40 horas semanais. Vale a pena repetir: o Piso Nacional do Magistério, do qual o governo federal parece se vangloriar, nos seus pronunciamentos, é, pasmem, R$ 1.451,00 (um mil, quatrocentos e cinqüenta e um reais), para o professor que trabalhe com jornada de 40 horas semanais. Num país de governantes sérios daria para sustentar um discurso de “valorização do Magistério”, com uma pouca vergonha desse tipo?
Este é o valor que o “nosso governo”, através do Ministério da Educação, juntamente com os “nossos representantes” no Congresso Nacional, atribui ao professor brasileiro, ou seja, considerando-se que a maioria dos professores prestam concurso público para uma jornada de 20 horas semanais, significa dizer que o Piso Salarial Nacional do Magistério é, na prática, de R$ 725,50 (setecentos e vinte e cinco reais e cinqüenta centavos). Logo, para os comandantes da política educacional no Brasil, esta “fortuna” representa quanto vale um Professor, no nosso querido país, pelo menos durante os três primeiros anos de trabalho na rede pública (período de estágio probatório).
E mais, talvez muita gente não saiba, mas é bom saber, esse é o salário de um professor que passou cinco anos na faculdade, concluiu uma licenciatura direcionada à sua atividade, e depois cursou uma pós-graduação em nível de especialização, tudo direcionado ao Magistério, para ganhar esse valor, repita-se, pelo menos nos três primeiros anos.
É relevante destacar que esse vergonhoso valor, em alguns casos, é acrescido de um pequeno percentual, quando muito 30% (trinta por cento), a título de atividade docente, de modo que o sujeito acaba ficando com um salário liquido em torno de R$ 800,00 (oitocentos reais) mensais. Só para lembrar, isso é pouco mais de um Salário Mínimo. Pois é! Isso mesmo! É quanto vale um professor, à luz da cínica avaliação da maioria dos políticos que elegemos e que, para a nossa desgraça, detém o condão de decidir as políticas públicas em todo o país, inclusive a educação.
Quem teve a oportunidade, ou o interesse, de acompanhar as reportagens durante os dias de paralisação viu que alguns governadores e muitos prefeitos entendem que esse valor representa muito para que se possa pagar a um professor da rede pública e, saliente-se, quando o Ministério da Educação anunciou, com base na Lei do Piso, o aumento de 22% (vinte e dois por cento), para que com isso se chegasse ao valor supramencionado (R$ 1.451,00), mais de 700 (setecentos) prefeitos foram a Brasília se manifestar contra o aumento do Piso Nacional do Magistério, e não podemos esquecer que alguns governadores defenderam a tese de que o aumento do Piso deveria ser somente de 6% (seis por centos). É lógico que a imprensa não divulgou esses detalhes, também quase sempre as coisas sérias não são de interesse da mídia, deixando a impressão ao grande público que “a greve dos professores” é um prejuízo para a educação, e pronto.
A temática suscita uma questão tão simples quanto relevante, qual seja, é possível fazer uma educação pública de qualidade sem que se leve a sério a efetiva valorização do professor?
Lamentavelmente, ainda há os que digam que a questão salarial do professor não está diretamente associada à possibilidade de melhores resultados. Com todo respeito a essa tese, não devemos esquecer que os empreendimentos contemporâneos têm levado em conta como um dos elementos de desenvolvimento das organizações, o investimento nas pessoas. É fato que o trabalhador melhor remunerado trabalha mais satisfeito, sabendo que o seu filho pode se alimentar melhor, que poderá cuidar melhor da saúde da sua família, que poderá custear um pouco de lazer e, como conseqüência, a sua satisfação resulta em mais produtividade e mais qualidade no seu trabalho. Ao contrário, baixos salários sempre implicam em desdobramento de jornada em vários lugares, na tentativa de sobreviver melhor, sem contar com o cotidiano de trabalhadores estressados, insatisfeitos, depressivos, e uma série de outros males, com cada vez menos qualidade de vida, dessa forma contribuindo, sem ser o único fator, é claro, com a má qualidade da educação, basta ver os resultados do IDEB pelo Brasil afora.
A história do Brasil nos dá conta dos tempos em que um pai de família tinha orgulho de dizer que a sua filha ou o seu filho acabava de ser diplomada (o) professora ou professor, isso talvez nos idos do final do século XIX. Lembro-me de ter lido uma curiosidade, ainda no meu tempo de ginásio, na biblioteca do colégio, sobre uma reportagem publicada no Jornal “O Dia”, do Rio de Janeiro, se não me falha a memória, em outubro de 1862, apresentando um ranking dos melhores salários do serviço público no Brasil, e o salário de professor com nível universitário figurava na lista. Pois é, os anos se passaram, o país saiu do subdesenvolvimento, ganhou prestígio no cenário internacional, a esquerda ascendeu ao poder, estamos entre as primeiras economias do planeta, e, hoje, o salário de um professor com nível universitário é, pasmem, o pior salário do país. É claro que a história nos dá conta, também, de que houve um aumento galopante, não só em Brasília, mas ali principalmente, daqueles que se aperfeiçoam, a cada dia, na arte de conduzir o dinheiro público para o seu próprio bolso, em detrimento do interesse público. E aí talvez esteja uma boa justificativa para que o país não possa ampliar os investimentos em educação, conforme deveria ser feito, e para que o professor não possa ser decentemente remunerado.
Um professor pós-graduado, em nível de especialização, depois de 25 (vinte e cinco) longos anos de trabalho, com jornada de 40 horas semanais, com uma carreira recheada de formação continuada, às portas da aposentadoria, talvez logre receber um salário na faixa de seus R$ 4.000,00 (quatro mil reais), diga-se de passagem, é o salário inicial de muitas categorias com formação em nível médio, no setor público, a exemplo de um Técnico do INSS, cujo salário inicial é um pouco maior do que isso, conforme publicado no edital do último concurso da citada autarquia.
Às vezes ouvimos referências ao valor do Piso Nacional do Magistério, feitas por autoridades, nos meios de comunicação, como se fosse grande coisa. Respeito e civismo à parte, é claro, mas se vivêssemos num país um pouco mais sério seria um desrespeito dizer que o salário de um professor, licenciado, trabalhando dois turnos por dia, ou seja, com jornada de 40 horas semanais, é de R$ 1.451,00 (um mil, quatrocentos e cinqüenta e um reais).
Os “nossos representantes”, lamentavelmente, temos que dizer “nossos representantes”, utilizam de um discurso repugnante, para argumentar que os cofres públicos, sobretudo as prefeituras e os governos estaduais, não têm com pagar um salário melhor ao professor. É claro que esse discurso não passa de uma mentira deslavada, daquelas que somente se conta em países de políticos como os nossos. E é claro que nas suas rodas de uma boa conversa, tomando um bom uísque, eles devem dar risadas da nossa cara. Assim como devem cair na risada do paradoxo absurdo vivido no país, ou seja, a venda de um discurso maravilhoso, que prega a educação como prioridade, da busca da qualidade em educação, e, na contramão do discurso cínico, a limitação para investir no setor (menos de 10% do PIB), associada ao pagamento de salários de miséria aos professores da rede pública.
A nós, principalmente a nós professores, resta uma esperança: quem sabe, um dia, essa falta de vergonha ainda force a nossa voz; ainda mude o nosso tom; e ainda acorde esse país.
Enquanto esse dia não chega, fica a pergunta: quanto vale um professor?
Manoel Messias Pereira, Professor, licenciado em História, bacharelando em Direito.
FONTE: Blog Recanto das Letras
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