domingo, 14 de agosto de 2011

Romance de Domingo



Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
  Por William Guerra*



CAPÍTULO XIX

            Guerra, Wilson e Danta banhavam-se animadamente na mansa lagoa. À sua margem os carregadores de água vinham com seus animais e ancoretas, enchiam-nas sobre um orifício no centro pelo funil feito de flandres. Nas residências despejavam a água nos potes preparados. Na boca de cada pote uma rodilha bem limpa coava a água ali colocada. Servia para o gasto e asseio dos utensílios e as pessoas. A água que servia para beber apanhava-se na cacimba existente na coação, que se popularizou como co-Açu.

            Impacientes Danta e Guerra pediram a Wilson que lhes dissesse de uma vez a novidade que tinha para revelar. Wilson dono da situação naquele momento, fazia suspense. Prestes a levar uns safanões dos amigos, resolver falar:

            - Bem... Eu ouvi o...

            Não continuou. Olhando para as bandas das barreiras que era o caminho até à beira da água, Wilson viu se aproximar um rapazola de seus 15 anos, alto, magro e acompanhado de mais alguns meninos. Ficou apavorado. Disse para os amigos:

            - Não! Lá vem Joãozinho Rodrigão e sua turma! Vai me matar de uma surra!

            Guerra e Danta olharam para o menino, realmente bastante comprido que se aproximava numa cadência própria de quem é o manda-chuva, o tal, aquele que diz o que se deve fazer e os vassalos têm que lhe obedecer. O seu aspecto já inspirava terror. Os que vinham ao seu lado riam depois que avistaram Wilson num banho despreocupado.

            Danta comentou informando:

            - Esse menino aí, o Joãozinho Rodrigão, tem fama de bater em outros meninos e fica por isso mesmo. É o rei aonde chega. Pisa todo mundo. Dia desses deu uns tapas em mim só porque, sem querer, pisei no seu pé.

            Wilson fez cara de choro. Danta também ficou vexado. Guerra nem piscava.

            O bicho papão, chegando bem pertinho dos três, vociferou:

            - Você aí, Wilson, seu bunda mole, venha aqui que quero ter uma conversa com você. Só nós dois!

            Os seus seguidores continuaram rindo. Wilson procurou um buraco para sumir. Estava na água, não tinha como prender o fôlego até aquele ir embora. Que fazer? Tremia de medo, parecia uma vara verde tirada naquele instante do galho que a sustentava. Foi caminhando lentamente, suplicando:

            - Joãozinho, não faz isso não! Não fui eu que joguei areia em você naquele dia, não! Foram os outros meninos que estavam lá, por causa de eles terem perdido todas as castanhas para você...!

            A meninada jogava castanha pelas calçadas. Apostava-se. Aquele que acertasse no castelo – uma castanha ficava empinada escorada na parede - ganhava todas as castanhas atiradas. Época boa, dos cajus. Além de chupá-los havia a delícia de comer castanha assada, ou brincar com as mesmas pelas ensombradas ruas de Verdejante.

            Pois lá ia Wilson, devagar, tentando arrumar uma estratégia para escapar do seu carrasco. Já quase o Joãozinho Rodrigão o pegava pelo pescoço quando apareceu, ninguém sabe como ele fez aquilo, com uma enorme vara na mão, Guerra, ficando entre Wilson e o valentão Joãozinho. Este, sem entender nada, indagou feroz:

            - Quem é você? Sai da frente se não vai apanhar também!?

            Guerra deu um passo atrás, enquanto Joãozinho avançava em sua direção, levantou a vara que mais parecia uma estaca, desceu no crânio do metido a besta que caiu ciscando e revirando os olhos na areia quente. O sangue se misturava com a água e a areia fininha na margem.

            Danta gritou:

            - Você matou Joãozinho Rodrigão!

            Guerra entrou novamente na água e nadou, foi buscar abrigo outra vez no sítio Lagoa da Lama, do outro lado da lagoa, em casa do compadre do seu avô. Levaram o menino ferido para a farmácia de Seutônio. Este examinou o golpe, bastante profundo e que pegaria uns 12 pontos, bem próximo à fonte.

            - Mais abaixo um pouco, este menino teria morrido...

            Disse o farmacêutico do alto de toda a sua experiência. O pai do garoto chegou. Nada dizia. Apenas contemplava aquela cena: o filho estirado sobre uma esteira no chão, já recuperado do susto, mas o sangue fora absorvido pela camisa e os cabelos brilhavam com a terra que grudara também por causa de muito sangue.

            - Ajuda aqui, o senhor.

            O farmacêutico chamou o pai do garoto para segurar a cabeça do filho numa posição mais adequada. Teria que raspar o coro cabeludo. O sangue estancara com pomadas, mercúrio e algodão. Iria que costurar aquela enorme abertura. Aplicou morfina na região da cabeça lascada de Joãozinho Rodrigão e fez a operação. Depois esterilizou em torno. Mandou que o menino ficasse de pé, fez o curativo com esparadrapo e gaze e sentenciou:

            - Amanhã venha para tomar injeção e renovar o curativo. Descanse. Não vai fazer arte. O negócio aí foi contundente. Por pouco você não passou dessa para uma bem melhor.

            Fez algumas outras recomendações ao pai de Joãozinho, se despediram e o menino foi andando para casa. Muita gente pelo caminho e mais uma vez lamentar:

            - Que coisa! O filho de Carrinho já fez isso em vários outros garotos!

            - É do gênio dele. Não puxou a Carrinho que não faz mal a uma mosca...

            - Olha, ele age com violência quem parte para cima dele com violência. Defende-se, só isso...

            - Que menino grande e mole, esse Joãozinho Rodrigão. Dá quase dois de Guerra e ainda apanhou?!

            Os comentários seguiam nesse diapasão. Uns a favor, outros contra. Outra vez dona Nhá foi saber de Danta aonde foi se meter Guerra. E, amanhã, bem cedo, novamente Adrião Bezerra irá buscar o neto no outro lado da lagoa. Repetição da mais uma cena de Carrinmho esbravejava dentro de casa:

            - Desta vez não tem perdão! Vou ter que agir! Uma surra de corda molhada para ele acabar com essas coisas! Taí, Nhá, está vendo no que foi que isso foi dá? João Batista nem aqui está para ir buscá-lo. Vai teu pai, Adrião, para passar a mão na cabeça daquele menino!

            É. O professor João Batista fora para o sítio Arção. Fica distante do centro da cidade. Por lá deverá se encontrar com o Coronel Benedito Saldanha. Receber as instruções para agir na política local. Foi acompanhado de Doutor Nego, Alfredo de Terta, Palpito, Gato de Inês e Deca Cavaco.

            Wilson bateu em disparada foi se esconder em casa. Danta agiu igual. Guerra é quem vai pagar o pato. Ou seja, para punir pelas peraltices dos dois amigos, agindo com impetuosidade e se defendendo das agressões de adolescentes ou até mesmo jovens bem mais taludos, as desmedidas ações contra esses sempre o colocam em maus lençóis.

            O delegado Luiz Marchanto, tomando conhecimento do acontecido, foi à residência de Carrinho saber do menor foragido, mais uma vez.

            - Então dona Nhá, o seu filho Guerra, está em casa?

            A mãe do Guerra ficou furiosa com aquela visita. Indesejável visita!

            - Que é que o senhor quer com o meu filho? Por acaso vai prender o menino? Acostuma, delegado, briga de menino. Amanhã estarão de bem novamente e correndo pelos terreiros!

            Luiz Marchante pegou o chapéu do panamá levantou e tornou a colocar na cabeça. Sinal de respeito para com as senhoras. E tentou se explicar:

            - Sabe senhora Carrinho, é o meu ofício zelar pela segurança das pessoas, em especial dos menores...

            Não continuou, dona Nhá lhe tomou a palavra:

            - Que zelar que nada! O senhor é um capacho do Coronel Lucas Pinto. Isso já é politicagem barata arrumada por aquele prefeito. João, meu filho, vai ser candidato pela oposição, ele já nos está perseguindo!

            - Assim a senhora já está me ofendendo. Dizer que sou capacho do prefeito Lucas Pinto?

            Carrinho encontrava-se em casa. Mas meio surdo nem saiu fora para intermediar alguma coisa. Dona Nhá continuou:

            - Pois vá prender quem roubou o bode Merlim; o pai de Dorotéia, que por causa dele o sargento Bueno se matou; prenda Quinca Amarelo que vendeu cordão de miçanga como se fosse de ouro... Mas meu filho, menino de doze anos? Tudo bem, usou da força e feriu o outro menino. Mas também poderia ter sido ele a vítima, ou as vítimas são os dois, que vivem brincando e brigando pelas ruas, aliás, são os filhos de todos desta cidade que correm pelas ruas brincando e brigando!

            O delegado retirou de vez o chapéu do panamá da cabeça, o rodopiava nas mãos nervosas e rematou:

            - Tudo bem, dona Nhá, vou-me embora. Quero dizer que não vim prender o seu filho, não, Apenas conversar e aconselhar para que não torne a acontecer. A senhora sabe que a gente que dar satisfação à sociedade.

            Dona Nhá fechou a porta de baixo. O delegado ainda anuiu:

            - Tudo bem, a senhora tem razão. Mas quero ponderar o seguinte: falando assim do prefeito... Carrinho, seu marido tem um cargo de confiança na Prefeitura... Não fica bem...

            Novamente interrompido:

            - Que vá o prefeito e o senhor com esse cargo de confiança para os diabos que os parta. Carrinho sabe fazer outras coisas. Se perder esse emprego o qual já exerce há mais de vinte anos, trabalha noutra coisa. A gente não morre de fome por causa disso não. E passar bem seu delegado!

            Fechou a porta de cima. O delegado saiu desconfiado, olhando para os lados. Havia alguns curiosos escutando o pito que a mulher do tesoureiro lhe passou. Fora um breve vexame. Apressou o passo e foi com destino à Delegacia. No caminho repassava as palavras daquela valente mulher. Ou atrevida mulher? Mas, no fundo, no fundo, achava que ela tinha razão. O cabra que roubou o bode do circo Maior de Todos tinha que ser preso e prestar contas com a justiça. Foram esses os seus pensamentos. Entrou feito um raio na Cadeia Pública, onde era chefe nomeado pelo prefeito.

            Outra vez o assunto do dia era o menino Guerra. A paulada que dera na cabeça de Joãozinho Rodrigão. De quem era filho o Joãozinho? Alguém por ali desejava saber. Um garoto que mora para as bandas do Oásis. Oásis fica quase fora da cidade. Lá existem árvores seculares. Uma gigantesca sombra fica debaixo daquele arvoredo, serve para os vedejantenses fazerem piquenique aos domingos.

            O pai de Joãozinho Rodrigão é um paraibano que chegou por aqui há pouco mais de dois anos. É vaqueiro, tangedor de gado. Baltazar Rodrigues, assim é chamado. Pai de oito filhos. Joãozinho Rodrigão é mais velho.
           
           Os comentários giravam agora em torno desse senhor, ainda quase um desconhecido na cidade. Vaqueiro? Trabalha para quem? E sua mulher, quem seria? Essas perguntas são comuns em cidade pequena da época. Todos sabiam da vida de cada um. O divertimento eram as valsas nas residências. Passava-se o tempo jogando baralho, gamão, dominó pelas calçadas. De noite o costume eram as cadeiras espalhadas e o dise-me-disse, o zum zum zum, os mexericos e os boatos. Ninguém escapava de qualquer feito, por mais insignificante que fosse servia de pretexto para uma palestra, uma discussão, e, às vezes, gerava intrigas.

            Por isso se bisbilhotava a vida de todos. Ninguém estava imune ao crivo da crítica ou do elogia por suas faltas e ações. Podia-se dizer que os habitantes do lugar pertenciam a uma só família. Pouca gente se considerava de fora. Talvez o Vigário, algum funcionário dos Correios e Telégrafos, um ou outro militar. Só.

            Danta, em casa, morrendo de medo de Joãozinho Rodrigão, lamentava pelo acontecido. Pois deixara de saber de duas novidades, ou dois segredos: o nome daquele que roubou o bode Merlim e o que havia de interessante na revelação que Wilson teria feito, caso não acontecesse o entrevero com a quase morte do menino Joãozinho Rodrigão. E Guerra, como deve estar com raiva por não ter podido, também, saber das coisas?

            Lá, na Lagoa da Lama, Guerra buscava os fojos que pegavam preá. Mas na sua cabeça martelava as palavras atrevidas do Joãozinho. Teria apanhado mesmo daquele grandalhão que apareceu para impedir justamente o que Wilson teria que revelar sobre  tal de segredo que, revelado para todo mundo, Verdejante sofreria um abalo. Que será que Wilson sabe e eu não? Pensava.

            Wilson, depois de sofrer uns puxões de orelha do seu pai por ter sido o pivô de mais aquele acontecimento, deitado numa rede de lona listrada, olhava as telhas do teto de sua casa. O pensamento voou para a lagoa, o momento exato que Guerra desferiu o golpe na cabeça do meninão magro que mora no Oásis. Quase revelei o segredo que papai comentou em casa sobre... Não completou com medo de alguém ler o seu pensamento, mesmo sabendo não haver ninguém por perto.

            O avô de Guerra, Adrião Bezerra, com seu chapéu de massa novinho e a bengala de estimação, foi à casa paroquial, queria dois dedinhos de prosa com o seu Vigário.

            Na porta que veio atender foi a fogos Mercês. Sempre rindo pediu que o homem de barba comprida e branca e de olhos azuis entrasse e sentasse, padre Benedito Basílio Alves já ia sair.

            Enquanto o padre não chegava, Adrião Bezerra pegou um livro na estante que estava aberta. Era um livro de poesias: Rimas, do português Bocage. Leu alguns versos e ria satisfeito, curioso. Aquelas poesias eram censuradas, e o livro circulava clandestinamente e o padre Benedito possuía um exemplar. Recolocou o volume antes da chegada do Vigário, seu amigo.

            - Ora, ora se não é o homem dos olhos azuis, meu amigo e sábio e teimoso Adrião Bezerra!

            Alarmou o Vigário, enquanto abria a boca numa gargalhada sonora e desconcertante. Apertaram as mãos, Adrião retirou o chapéu e fez uma mesura, como um súdito diante de sua Majestade.

            - Sim, pois não, padre. A honra é toda minha. E vá se preparando que se por ventura possuir uma poesia de Manuel du Bocage eu exijo que ma empreste ou então copie para eu ler e me deleitar com os enxerimentos daquele grande poeta.

            Foi Adrião Bezerra quem riu alto, devolvendo a risada gostosa do padre de poucos instantes. Assim estavam empatados em dissimulação e gargalhada.

            Ambos sentaram, frente a frente. Cada um numa cadeira de balanço. Padre Benedito indagou ficando bem à vontade:

            - Mas o que traz aqui Adrião Bezerra? Para falar do amor de Bocage pela cunhada sei que não é. Desembucha?

            - Não. Bocage será tema de outra conversa, embora me atraia bastante as peripécias amorosas do pervertido de Lisboa, que nutria uma paixão violenta pela mulher do seu próprio irmão.

            Ambos riam de fininho, sarcasticamente. Bocage tinha uma morbidez e atração pelo horror, e vivia em conflito com o amor físico e a morte. Não estava nos planos daquela conversa que começava tão cheia de humor e rasgos de sabedoria.

            - Então venha de lá que vou de cá. Se for sobre Guerra e o que aconteceu hoje pela manhã, fique tranqüilo, já sei de tudo e estou pronto para ajudar no que for possível. Gosto muito do meu rebelde afilhado.

            Adrião bezerra alisou a barba rala, branca e inquieta, com seus olhos vivos e azuis falou sobre a que veio:

            - Isso. Parte do que tenho para conversar é sobre Guerra. Invoco a sua perspicácia de homem de Deus para dissuadir o meu neto a gostar dos livros. Quando à parte do que ele fez hoje eu resolvo amanhã cedinho. Nada que não se dê um jeito na coisa.

            Padre Benedito apreciou aquela colocação e já pensava, há muito tempo, cogitar em incentivar o menino Guerra a estudar, bem como o seu amigo Danta, filho do sacristão Manoel Dantas.

            - Hummm... Isso é que é interesse! Todos nós: pais, avô, irmão e padrinho de Guerra para fazê-lo um cidadão de bem no futuro! Está certo, Minha parte já vou começar a botarem funcionamento. Tenho umas idéias. Mas e o que mais tem o senhor para me dizer?

            - Aí é onde a porca torce o rabo!

            Exclamou o avô de Guerra. Ficou de pé, pediu café, sem cerimônia. Não foi necessária outra advertência, Mercês já vinha com duas xícaras de café feito naquele instante sobre uma bandeja.

            Adrão Bezerra aproveitou para lançar um rabo de olho na mulher, empregado da casa paroquial que, soubera, ultimamente dormia com o padre. Nada demais. Para ele tudo poderia ser assim mesmo. A língua do povo é que é ferina. Inventam cada mentira cabeluda! Burilou esse comentário na sua cabeça, ao mesmo tempo em que tirava os olhos da empregada e plantava os mesmos no homem que vestia uma batina. Por conseguinte, Cura da Paróquia de Verdejante, sua cidade natal.

            O padre pegou de um caixote de madeira onde se destacava um selo que dizia “charutos legítimos havaiana”. Retirou dois. Ofereceu um ao amigo visitante e ficou com o outro. Fizeram, ao mesmo tempo, o furo numa das pontas dos charutos, introduziram um palito de fósforo para poderem segurar o dito cujo pelos dentes, acenderam-nos, automaticamente, no mesmo segundo.

            Sopraram os tufos de fumaça para cima, a sala ficou impregnada de um cheiro peculiar de fumo. Saborearam aqueles charutos como se estivessem tomando um vinho do porto da safra do século passado. Ficaram mais animados e mais falantes ainda.

            - Mas conta-me, ô Adrião: que é que tem a ver a porca de rabo retorcido com a nossa palestra?

            Adrião respondeu, cuspindo longe, cujo cuspe atravessou a porta e foi se esparramar na calçada:

            - Tudo a ver!

            Levou a mão fechada a boca, pigarreou, para ficar mais importante o seu arrazoado, e o Vigário se ajeitava na cadeira, parecia impaciente àquela altura do campeonato.

            - Caso o senhor venha me solicitar que não construa o alambique da Malhada Vermelha, tire o cavalinho da chuva, porque eu não vou construir, já estou construindo!

            O homem que já fora prefeito de Verdejante, caixeiro viajante e comerciante riu um riso tão de leve que fez com que o padre também risse. Houve contágio. E sempre tragando e soltando fumaça, ambos enchiam a sla de fumaça parecendo que se estava queimando uma caieira.

            Continuou Adrião Bezerra:

            - Alambique para o que tenho para lhe pedir, ou melhor, para que me conte o que lhe vou perguntar, é café pequeno.
            Olhou de soslaio o seu interlocutor. Sabia que o padre Benedito Basílio Alves era homem inteligente, entendido em psicologia e, talvez, até já esteja sabendo do que se trata, fazendo-se de desentendido para captar mais detalhes.

            - Pois está tudo muito bom, tudo muito bem. A quem o senhor representa nessa empreitada?

            Padre Benedito era sagaz mesmo. Iria jogar com todas as cartas caso já tivesse descobrindo sua manha, ou seja, a manha de Adrião Bezerra com tantos rodeios para falar de algo que ele, o padre, esteja totalmente consciente e preparado para responder em qualquer parte e em qualquer época seja lá como for.

            De tanto tragarem ao mesmo tempo os charutos legítimos havanas, transformaram-nos em dois diminutos tocos. Num cinzeiro trazido para ambos, pela empregada Mercês, esmagaram a ponta onde ainda ardia um pouco de cinzas restantes daquelas preciosidades, e só possuía-os, naquela cidade, o padre Benedito Basílio Alves.
           
            - Não represento. Sou um emissário. O representante é Vicente Maia, que o senhor tão bem conhece. Ontem à noite esteve lá em casa.

            O Vigário ficou intrigado. Mas vamos ao que interessa.

            - O que quer Vicente Maia comigo, indo ontem á noite em sua residência?

            As horas se passavam e, sem perceberem, a tarde morreu de repente. Anoitecia. A presença de Manoel Dantas, o sacristão, com o seu molho de chaves rodando num dos dedos e mastigando as gengivas, os deixou desconcertados.

            - Boa tarde, senhores! Mas que papo não devem estar travando! E eu em casa perdendo ocasião tão agradável para escutar duas sumidades num debate de fim de tarde!?

            Aquela intromissão mudou o curso da conversa. Alguns minutos mais tarde, o sacristão consultando o seu relógio de algibeira, se desculpou e foi bater a seis badaladas: hora do Ângelus.

            Adrião Bezerra ficando de pé, já se despedindo, recolocando o chapéu e pegando a bengala predileta, revelou:

            - Vicente Maia é padrinho da sua empregada, Mercês!

            O padre corou. Depois empalideceu. Estava de pé também, sentou. O outro continuou:

            - Os pais da moça pediram socorro a ele. Que interferisse junto ao senhor, por qualquer meio, para dizer o que se passa. A menina não está mais indo dormir em casa. Dorme aqui. Vicente Maia me pediu para falar com você, padre, porque sou mais amigo seu do que você dele. E assim, explicar toda a história que está na boca do povo.

            Bendito Basílio Alves, padre circular da Diocese à qual faz parte a Paróquia de Verdejante teve, a princípio, um choque. Mas depois foi voltando ao normal.

            - Amigo Adrião. Posso solicitar que se digne em voltar amanhã, a essa mesma hora, para continuarmos essa conversa...? Estou pasmo! Não estou bem... Quero tempo para pensar. Vou explicar Tim-Tim por Tim-Tim. Não vai ficar pedra sobre pedra e todos em Verdejante vão entender o que se passa de verdade!

            Soaram as seis badaladas. A comunidade inteira fez o sinal da cruz. Inclusive Adrião Bezerra e padre Benedito. Os morcegos saíram em ziguezague. Comprida procissão. Foram pegar a janta nos batentes encardidos da velha matança.

            Os dois homens já haviam se despedido quando Manoel Dantas chegou apressado, ainda pretendia ouvir os dois palestrando sobre assuntos que, presumia, eram bastante interessantes.


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RESUMO: E agora? Padre Benedito vai ter que se explicar. Wilson tem que revelar um segredo a Guerra e a Danta. O delegado ou prende o ladrão do bode Merlim ou fica desmoralizado! Os próximos capítulos prometem...

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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.

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