AMANDA GURGEL, DE NATAL (RN) |
• A economia mundial está beirando o colapso, as massas estão revolucionando o mundo árabe, a elite do agronegócio já comprou a sua bancada para o novo período legislativo, a inflação começa a dar mordidas consideráveis no salário d@ trabalhador(a) brasileir@ e o combustível está custando os olhos da cara. Obviamente, todos esses temas tem espaço garantido na mídia, mas, mesmo assim, não chegam a desbancar aquele sobre o qual não há um dia sequer em que não assistamos a pelo menos uma matéria; o assunto que já rendeu inúmeros debates desde o período monárquico; o assunto que atingiu o apogeu do próprio caos, ascendendo assim ao posto de “bola da vez”: a educação brasileira.
Nas terras de Poti, somos a bola da bola da vez. Na esfera administrativa municipal, ganhamos visibilidade nacional em reportagem exibida no Fantástico do dia 08/05, e em tempos de governo Micarla de Sousa, o caráter da reportagem não poderia ser outro: denúncia. Lógico. A denúncia tratava do tema específico da merenda escolar – embora muitas outras de igual ou maior gravidade pudessem ser feitas. Já na esfera estadual, estamos assistindo a uma greve histórica, tanto pela adesão de 95% das escolas, quanto pela reação de indiferença e excessivo autoritarismo por parte da governadora, Rosalba Ciarlini, que após 19 dias de paralisação, ainda não apresentou uma proposta, por mais rebaixada que fosse, que servisse pelo menos para justificar o discurso do Governo apresentado pela secretária, Betânia Ramalho, de que a categoria está inflexível e não quer negociar, demonstrando, sem o menor constrangimento, o desprezo que essa gestão tem pel@s profissionais, e pel@s alun@s que constroem as escolas do RN.
O impasse causado pela ausência de propostas que pudessem apontar para uma negociação, aliado ao próprio fracasso da escola e à sofrível formação das ultimas gerações de alunos da Rede Pública, assim como o discurso propalado pela mídia de que a greve d@s trabalhadores(as) prejudica “ainda mais” @s alun@s, termina por levar uma parcela da população a acreditar que a responsabilidade pelo caos em que a educação se encontra é desses(as) profissionais, sobretudo porque @s alun@s tem concluído o ensino básico cada vez menos proficientes. Vindo de trabalhadores(as) vítimas desse próprio sistema em que estão inserid@s, para quem as oportunidades foram histórica e rigorosamente negadas, tal concepção é compreensível, no entanto, é valido trazer reflexões que, embora não cheguem a ser novidade para muit@s, para alguns talvez sejam e, para outr@s, talvez já tenham sido banalizadas,ou rebaixadas à condição de “arquivo morto” de suas mentes, esmagadas pela voracidade das rotinas superlotadas. Então…
Ainda que a nossa dívida pública esteja em momento de crise de domicílio, já que é interna, porém com efeito de vulnerabilidade externa, de onde vem os seus maiores investidores, segundo análise da Organização Auditoria Cidadã, o fato é que, no frigir dos ovos, o Brasil continua seguindo as orientações dos Organismos Internacionais para as políticas educacionais dos países em desenvolvimento, que prevêem investimento cada vez mais reduzido em “prestação de serviços” relacionados a educação, por parte do Estado. Ato contínuo, nos nossos dias, pode-se verificar, por exemplo, a proliferação de instituições privadas de Ensino Superior, bem como uma avassaladora oferta de cursos na modalidade à distância, também pagos. A observação desse fenômeno causa, no mínimo, uma “surpresa” em grande parte da população, já que a maioria não tem o hábito de refletir sobre tais questões, nem está diretamente envolvida com elas. Um olhar mais atento, no entanto, gera imediatamente a impressão de que está em curso um processo de privatização da Educação Superior, assim como ocorreu com a Educação Básica. Essa impressão se confirma com os dados divulgados pelo INEP, a partir dos quais se comprova a enorme discrepância entre o aumento no número de vagas oferecidas em instituições públicas, e o oferecido nas privadas.
Tal modelo de política educacional assegura a manutenção dos interesses do capital, em primeiro lugar, pela produção do superávit destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida, por meio da realização de parcos investimentos em serviços essenciais, inclusive educação (menos de 3% do PIB, quando havia uma previsão de 5% no Governo Lula); e em segundo lugar, pelo sucateamento da educação pública como um todo. Garantindo que a formação da classe trabalhadora não a direcione para altos níveis de cultura, mas apenas para a aquisição de um ofício. O segundo tiro certeiro do capital atinge diretamente a organização da classe trabalhadora, no momento em que a fragmenta, conseguindo jogar pais e alunos contra professores e vice-versa.
Tratando do caso específico da Educação Básica, Em artigo publicado pela Editora Sundermann, no volume intitulado A proletarização do professor, a pesquisadora da UNESP, Áurea Costa, é absolutamente feliz na análise que faz da atual conjuntura brasileira, quando afirma que uma das consequências mais perversas desse sistema é a frustração de expectativas no ambiente escolar. Frustram-se @s alun@s, que vão à escola esperando aprender e se deparam com professores(as) que lutam diariamente para vencer os empecilhos – que vão desde a formação, cada vez mais precária e aligeirada, até a falta de condições para aperfeiçoamento e estudo, além dos problemas estruturais das escolas – para a realização do seu trabalho; frustram-se @s própri@s professores(as) frente a impossibilidade de desempenhar da melhor forma o seu papel. Diante desse quadro, de acordo com a pesquisadora, “dá-se uma relação professores/alunos distorcida, em que os segundos passam a imputar aos professores o tratamento que deveriam dar aos reais representantes da violência do Estado burguês, que os tem oprimido durante toda a sua trajetória escolar. E os professores passam a ver os alunos como aqueles que materializam a falta de respeito e o desprestígio da categoria profissional na sociedade, nas manifestações de falta de respeito, e, até mesmo, a violência.”
Nesse contexto, temos assistido a verdadeiras tragédias protagonizadas por jovens e adolescentes, tendo como palco escolas em todo o Brasil. Notícias como brigas entre gangues formadas nas próprias escolas, perseguições de grupos a alun@s indefes@s, além de agressões verbais e físicas a professores(as), tornaram-se praticamente diárias. No entanto, há um consenso de que o massacre da Escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, foi a mais dramática de todas as notícias em que a escola figurasse nitidamente como o símbolo da opressão sofrida, durante toda uma trajetória escolar, por aquele rapaz que a mídia se apressou em expor e rotular como o único responsável pela tragédia, antes de qualquer menção feita aos seus transtornos psíquicos, e a responsabilidade do Estado de garantir a ele e a tod@s @s alun@s especiais, um tratamento digno e adequado. Ao contrário disso, esses(as) alun@s, independentemente do seu diagnóstico – quando possuem um, já que a maioria não tem acesso a atendimento e acompanhamento médico – são, literalmente, jogados, sem que sejam observadas as questões legais referentes ao número de alunos nas salas que os comportam, bem como a necessidade de um(a) professor(a) auxiliar nas mesmas.
Também @s professores(as) são igualmente jogados nessas salas, tão superlotadas quanto as outras, sem que tenham qualquer formação que @s habilite a essa atividade, muitas vezes não chegando nem mesmo a perceber características e comportamentos preocupantes em alunos introspectivos, uma vez que os mais ativos terminam por “sugar” boa parte do tempo e da energia que esses(as) profissionais despendem nas suas aulas. Por isso, não seria exagero afirmar que, nesse momento, inspirado inclusive no caso da Escola de Realengo, talvez haja outros Wellingtons Menezes, tão excluídos, desesperados e perdidos nos seus devaneios, quanto o próprio, planejando algo parecido com o que aconteceu no Rio de Janeiro. Também não haveria leviandade em dizer que seria o Estado o responsável pela tragédia, uma vez que, além de não dar a atenção devida aos transtornos psíquicos e não comportar a demanda da rede básica de saúde, transformou a Escola – um espaço que deveria servir para o trabalho de inserção desses sujeitos, tornando-os aptos ao convívio social pleno – num espaço perigoso e insalubre, freqüentado pela maioria, seja alun@ ou professor(a), unicamente em razão da necessidade ou da obrigação, e não mais pela convicção da possibilidade de mudar o mundo por meio da educação, ou pelo amor à profissão ou ao conhecimento.
Apesar desses e muitos outros elementos, lamentavelmente, o fato de já podermos contar quantas pedrinhas existem no fundo do poço da educação brasileira tem sido utilizado pel@s políticos como sua “bola da vez”. Não há um corrupto sequer desses que ocupam os cargos do executivo e do legislativo do nosso país que não defenda nos seus discursos a educação como prioridade, embora na prática, isso não se confirme.
No âmbito Federal, está em debate o PNE 2011-2020. Trata-se de um documento em que constam as metas referentes à educação que o governo pretende atingir nos próximos 10 anos. Para a sua versão preliminar, o melhor adjetivo que encontrei foi “acintoso”. Tal qual em discursos superficiais de campanha, o documento traz repetidamente a palavra “qualidade” vinculada a educação de modo geral, e “valorização” ligada a professor(a). Para um documento desse porte, as duas palavras estão desavergonhadamente esvaziadas de sentido, uma vez que, na meta principal, a que trata dos investimentos, verificamos a impossibilidade de alteração do quadro atual. A proposta do Governo é que iniciemos a saga com o investimento atual e avancemos rumo a 7% do PIB ao final dos 10 anos… 10 anos! Isso para quem se locupleta em cargos comissionados e propõe um projeto desses é um pulo. Para quem tem uma jornada de trabalho extenuante e recebe em troca dela um salário insuficiente para o custeio das despesas básicas de uma família é uma penosa eternidade. Mas o mais grave é que o documento não diz de onde sairá esse dinheiro. E esse é o questionamento que tem sido feito nos debates que tenho presenciado. Fala-se em pré-sal. Pré-sal… parece que estão investindo pesado no desenvolvimento de uma tecnologia capaz de explorá-lo. Em 10 anos, quem sabe… Não se fala em suspensão do pagamento ou auditoria da dívida. Parece que isso é coisa anacrônica… também não se menciona o corte de R$ 50 bilhões,realizado ainda no alvorecer do governo Dilma, dos quais, 3 bilhões foram da educação. Então, difícil compreender como avançaremos ao longo de 10 anos se os passos iniciais são de retrocesso. No final das contas, O que estamos perto de descobrir, é o que existe após o fundo do poço. Se pelo menos encontrássemos por lá um novo pré-sal, teria valido a viagem! Mas como um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, o que encontraremos, certamente, será apenas lama…
Para mascarar o real tratamento dispensado à educação, o Governo Federal tem investido em campanhas publicitárias apelativas e bem elaboradas que tem dois objetivos claros: 1°, passar a imagem de que valoriza @ professor(a); 2°, tentar recrutar nov@s corajos@s abnegad@s para o exercício da profissão, já que o fenômeno que está ocorrendo é o de “batida em retirada” rumo à primeira luz no fim do túnel que se apresente a esses(as) profissionais, cuja atividade, antes classificada como intelectual, atingiu o ápice da sua proletarização, sendo sumariamente reduzida ao controle dos filhos da classe trabalhadora dentro de um espaço absolutamente desfavorável à construção do conhecimento.
Por isso, estamos “no limite” e não podemos mais ouvir falar em “educação de qualidade” ou “respeito e valorização d@ professor(a)” sem que o clichê dessas expressões seja substituído pela implementação de um projeto que, de fato, valorize @ profissional e reestruture as escolas. Não venham falar em educação de qualidade se não houver disposição para o investimento real e imediato de 10% do PIB nessa pasta, e se não se dignarem a nos remunerar, pelo menos, com o salário mínimo calculado pelo DIEESE. Não venham nos falar em educação de qualidade se não forem capazes de romper com o capital e transferir o investimento feito nele para os serviços essenciais prestados à população, ou se não forem capazes de, no mínimo, realizar a auditoria da dívida pública. Também não agüentamos mais a confusão feita entre “valorização” e “lavagem cerebral”. Não adianta tentar nos convencer de que somos importantes se não temos condições de ter uma vida digna, e principalmente se a nossa atividade nos agride a ponto de nos despojar da nossa própria condição humana, interditando o nosso potencial criativo e nos expondo a uma rotina repetitiva extenuante, que nos transforma em máquinas.
Por fim, não queiram entender de educação mais do que nós, pois é muito fácil ocupar qualquer lugar na sociedade – qualquer lugar mesmo – e formular teorias e conjecturas sobre a Educação Básica no Brasil. Difícil é se movimentar diariamente entre bairros consideravelmente distantes num transporte precário, morando numa cidade de clima tropical, para estar diante de uma média de 40 ou 45 pessoas, cuja temperatura dos corpos gira em torno de 37°C, agitadas pela produção acelerada de hormônios próprios da puberdade ou da adolescência, dentro de uma sala de aula com dimensões insuficientes para comportá-l@s e com ventiladores (quando funcionam) altamente ruidosos. Tentar administrar as adversidades dessa situação inicial, mediar os conflitos interpessoais, perceber no estilo de cada um a grande variedade de interesses (ou desinteresses) existentes naquele minúsculo espaço, chegando à conclusão de que qualquer coisa de que você fale, necessariamente, vai desagradar à maioria.
Finalmente, tentar fazer o levantamento do conhecimento prévio desses sujeitos e, a partir dele, construir o “conhecimento cientifico”, como propõem as teorias pedagógicas avançadas, empunhando, para essa missão, apenas um giz, e tendo na sua retaguarda apenas o bom e velho quadro negro. Ouvir o toque estridente e saber que esse mesmo desafio vai ser repetir cinco vezes em uma única manhã. Ouvir o último toque e saber que em vez de ir para casa ou mesmo ficar na escola refletindo sobre a sua própria prática docente, planejando com colegas, debatendo sobre casos especiais, estudando e preparando aulas que possam, realmente, contemplar a heterogeneidade das turmas, você vai pegar mais um transporte precário para se movimentar entre bairros distantes, aproveitar a viagem para corrigir algum trabalho avaliativo, chegar praticamente no início do próximo turno, engolir qualquer coisa, e… toque estridente, 37°C multiplicados por 40, 40 multiplicado por 5, salas apertadas, ventiladores problemáticos, com o agravante do sol forte. Para alguns, dois turnos são o limite.
Para a maioria, a jornada continua. Seja em escola, ou em outra atividade, ao final ou entre um turno e outro. Tudo isso para multiplicar o escandaloso salário base de R$ 930,00 pago pelo Estado, e ainda ser chamado de vagabund@ ou irresponsável quando recorre, como ultima instância, a um movimento grevista, reivindicando melhores condições de vida e de trabalho, ainda que elevado imediatamente ao posto de redentor da nação, formador dos jovens promissores do futuro, desde que cumpra com os seus horários, mesmo que para isso tenha que dar aula muitas vezes mal alimentado, ou doente, para não frustrar as expectativas d@s alun@s que, obviamente, esperam ter aula quando estão na escola e para não sobrecarregar @s demais colegas cujo trabalho fica inviabilizado no caso de haver, pelo menos, uma turma com tempo ocioso agitando os corredores da escola.
Fora isso, qualquer consideração feita, sobretudo por parte dos gestores e legisladores, não passa de uma forma acintosa de se aproveitarem da nossa condição de desvantagem em relação a eles, para nos defender dos constantes ataques de que somos vítimas. Assim como qualquer argumento utilizado para justificar a atual situação em que vivemos não passa de retórica, sobretudo quando se referem à Lei de Responsabilidade Fiscal para justificar a “impossibilidade” de atender à pauta salarial da categoria, pois quando se trata de aumentar os próprios salários não há restrição legal capaz de impedi-l@s. Enfim… se somos a bola da vez, é hora de sermos tratad@s como tal para além do discurso.
Nota: como ação afirmativa, o movimento de mulheres em todo o Brasil tem utilizado “@” nas palavras cuja flexão de gênero é determinada por “a” ou “o”. Eu aderi a essa idéia! ;)
Publicado originalmente em no Site Carta Potiguar
Fonte: www.pstu.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário