Por Rokatia Kleania
Livro didático adotado recentemente pelo MEC |
É interessante ver como, no Brasil, todo mundo mete o bedelho quando o assunto é educação. Não faltam críticas, receitas prontas, e (pré)conceitos formados. Jornalistas, advogados, médicos, políticos, empresários, artistas, todos falam da educação, pela educação e sobre educação com pose de experts, porém a maioria conhece muito pouco ou sequer conhece as questões sobre as quais está falando.
Atualmente, o livro didático Por uma vida melhor, da Coleção Viver, Aprender, adotado pelo MEC, é o objeto de estudo em voga. E a imprensa faz a festa! Basta ligar a TV ou o rádio, acessar a internet ou folhear revistas e jornais para vermos enxurradas de críticas apontando que o MEC, através do livro escolhido, está ensinando a falar errado o nosso idioma.
Antes de qualquer consideração a respeito, gostaria de indagar: quantos jornalistas que assinam as diversas matérias sobre o livro leram este mesmo livro? E os leitores que fixam um julgamento também o leram? Quantos desses ferrenhos defensores do modo “certo” de falar já estudaram linguística, sociolinguística ou outra ciência da linguagem? Se você estudou e ao menos folheou o livro, podemos discutir. Agora, meu amigo, se você não fez nada disso, me desculpe, você não está capacitado para discutir essa temática. Aliás, creio que este assunto, na verdade, é para ser debatido por professores, em especial os de línguas, e profissionais das letras. Qualquer um outro estará se metendo em território alheio. Assim como eu estaria, se quisesse aqui dizer a um médico os procedimentos a serem adotados em uma intervenção cirúrgica. Entretanto, para emitir juízo de valor não basta ser da área, é preciso ter fundamentação teórico-prática, o que infelizmente muitos (professores, escritores, jornalistas e até pesquisadores) não têm.
Com relação ao manual didático adotado pelo MEC, tive a oportunidade de folhear uma versão digital e não encontrei razão para essa celeuma toda. Nas páginas do livro, nada de novo. O que ele aborda é semelhante ao que propõe a grande maioria dos manuais didáticos adotados na última década, tanto por escolas públicas quanto por colégios particulares. Outro fator que percebi ao conhecer o livro é que ele está exatamente de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento que apresenta as normas a serem seguidas por todas as escolas e livros didáticos. E para quem atribui ao atual governo esse "novo" olhar sobre a gramática, vale lembrar que os PCNs começaram a ser elaborados em 1995 e foram concluídos em 1997. Na época, o presidente da Repúbilca era Fernando Henrique Cardoso e o Ministro da educação, Paulo Renato Souza. Portanto nenhuma novidade na postura defendida pelo livro. Qualquer pessoa que tenha se dedicado a ler os PCNs sabe muito bem que essa abordagem variada da língua é, há anos, defendida pelo MEC e por grandes linguistas, como Marcos Bagno e Luiz Carlos Cagliari, dentre outros.
Meus alunos e ex-alunos são testemunhas de que, há anos, sou ferrenha defensora da tese de que todos sabemos língua portuguesa, pois, mesmo antes de ingressar na escola e sermos alfabetizados, já somos perfeitamente capazes de nos comunicarmos utilizando esse idioma, na sua variedade coloquial. Sustento sem nenhum pudor que eles poderão, sim, fazer uso dessa linguagem, na maior parte de suas vidas. Contudo destaco que os discentes precisam se apropriar também da língua dita culta, uma vez que em diversas situações a sociedade exigirá dele o uso dessa variedade. É o caso de concursos, vestibulares, entrevistas, seminários, palestras, trabalhos escolares, documentos, etc. Lembro ainda aos meus pupilos que até em situações informais a sociedade poderá cobrar deles a apropriação dessa língua, caso contrário poderão ser, sim, vítimas de preconceito linguístico, uma vez que para muitos a variedade culta ainda é considerada a única "correta". Assim, procuro mostrar aos meus educandos que há, sem dúvida, uma enorme necessidade de nos apoderarmos da norma culta, pois na sociedade em que estamos inseridos, precisamos ser poliglotas de nosso próprio idioma, haja vista que língua é como roupa, você precisa usá-la de acordo com o lugar e a ocasião. Portanto não há a certa nem a errada, há a adequada para cada situação. Desse modo, acredito, não estou ensinando meus alunos a falarem errado. Mas revelando para eles a verdadeira face do ensino da Língua Portuguesa.
Que me perdoem os colegas conservadores, mas, em pleno século XXI, como professora de Língua Portuguesa e eterna estudiosa da linguagem, não me permito possuir ainda essa concepção limitada de que existe uma língua exata, fixa e perfeita. A língua é viva, por isso varia, transforma-se, inova-se, multiplica-se. E em algo assim tão metamorfoseante, não se adequa a ideia de bom, ruim, feio, bonito, certo ou errado. "A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma 'certa' de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala", afirma o texto dos PCNs.
Concordo plenamente. A versatilidade da nossa língua é que a faz tão linda e ao mesmo tempo tão instigante para muitos. Fui professora de Língua Portuguesa por muitos anos e sempre pensei assim a respeito do uso e ensino do nosso idioma.
ResponderExcluirA Educação Brasileira precisa deixar de ser excludente. O modelo que ai está, não atende mais às necessidades dos nossos alunos.
ResponderExcluirParabéns Professorinha!
Abraços,
Sírlia
Gostei do texto. Sou linguista, professora de português, e muitas vezes, me vejo totalmente desmotivada diante dessa postura que a sociedade insiste em ter diante do novo, diante da possibilidade da mudança dos hábitos e das concepções. A mídia tem uma influência enorme nisso, como você menciona logo no primeiro parágrafo. Eles fincam o pé num posicionamento, e todo mundo ouve, acredita e segue. Nós, professores, ficamos lutando com isso, contra isso, pelo menos no que diz respeito à nossa área, aos nossos conhecimentos.
ResponderExcluirA diversidade linguística, embora seja tão evidente e quase palpável, é ainda motivo de combate na nossa sociedade. Isso é extremamente desmotivador e angustiante para mim. Eu me sinto, a esta altura, sem nenhuma vontade de discutir com pessoas que acham que entendem sobre língua e linguagem sobre a abominável forma dicotômica de ver: certo e errado.
Gostei mesmo do seu texto e do seu blog!