segunda-feira, 16 de maio de 2011

Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra - Romance

Capítulo I

            - Achei um ninho de rolinha!
            Exclamou Danta, lá de dentro do emaranhado da mata seca. Guerra correu até o local, encontrou o amigo quase a tocar naquela invenção da natureza.
            - Não mexa!
            Gritou. Queria ver o que tinha ali dentro. Era um engenhoso ninho confeccionado com pedacinhos de pau fino e hastes de palha de carnaúba. E lá dormitavam duas criaturinhas peladas, ofegantes, quase imóveis, olhinhos ainda fechados. Quanta ternura encerra estes dois minúsculos viventes, aqui, perdidos na mata enquanto sua mãe sai por aí à cata de comida.
            Esses os pensamentos que consumiam Guerra. Ele que tantas vezes matara passarinhos inocentes, estava comovido com aquela visão. Como é perfeita a Natureza que tudo pode.
            - Vamos levar?
            Indagou Danta, arregalando os olhos para o companheiro.
            - Não.
            - Mas nós poderíamos criar os dois?
            - Não.
            Com as duas negativas, Danta, apesar de ter alegado que fora ele a descobrir o ninho, não insistiu, sabedor do significado pela decisão quando tomada pelo amigo. Ficaram mais alguns instantes. Admiravam a cena. Decidiram voltar no outro dia, para acompanharem o crescimento das duas rolinhas. Todos os dias haveriam de visitar os dois seres, até que pudessem sair voando e se alimentando, sozinhos.
            Arquitetaram espécie de proteção, amparando sol e chuva sobre o ninho. Marcaram o lugar para que não houvesse dificuldade quando retornassem amanhã, no mesmo horário e o encontrassem. Foram-se, pela vereda entre a mata rala, de volta para casa.
            Satisfeitos, corriam por entre o capim, pulando cercas, passadiços, embicando em encostas de pedra, atravessando pequeninos riachos, pisando em flores inconspícuas, resvalando nos pés de urtiga, atravessando os dispersos pega-pintos que grudavam em suas pernas e, aqui e acolá, paravam para retirarem o carrapicho encontrado no caminho.
            Era pura diversão. Felizes, corriam, paravam, gritavam, davam cambalhotas, a emoção explodia no peito, o mundo era nada para o poder daqueles dois, unha e carne, donos daquelas ribanceiras, escalando montes, descendo para descampados, nos arredores da acanhada e serena cidade.
            Não pensaram. Nada para decidir. Foram direto para um banho na lagoa. Nadaram. Mergulharam e brincaram até o meio dia. Chegaram a casa. Em todo o trajeto para a cidade, não tocaram no assunto do ninho de rolinhas. Fizeram um pacto de não comentarem. Os demais colegas de folguedos não poderiam saber daquela aventura e de como descobriram o ninho. O segredo era somente para os dois.
            Guerra rumou em direção ao pé de cajarana lá no quintal, subiu sem dificuldade pelo tronco tombado para um lado, e foi esconder seus trecos de passarinhar lá em cima, onde havia uma caixa de madeira pregada que servia de cofre para as coisas de mais valor.
            Desceu, passando pela cozinha, viu o fogão à lenha a toda, tentando cozinhar uma panela de feijão e outra com arroz. Sua mãe asseava um naco de carne seca que seria assado na brasa. Deu uma olhadela numa panela na qual houvera sido feita a cocção de batatas-doce, ainda fumegavam repousadas no fundo da panela, pediu uma à sua mãe.
            Dona Nhá, reclamando do filho com a cara vermelha feita pimentão, fez sim balançando a cabeça. Guerra pegou de uma enorme batata e saiu sacudindo-a de uma mão para outra e soprando, era quase insuportável a quentura do delicioso tubérculo. Foi-se. Sentou no batente da porta da frente do casarão, começou a descascar a guloseima e, com dentadas vagarosas, comeu-a. Daqui a pouco, tomou água e voltou ao batente.
            Seu pensamento voou até o ninho de rolinha. Como estariam os dois filhotes a essa hora? Sol a pino. A mãe dos pobrezinhos já teria voltado? Dera-lhes de comer? Alguma outra ave de rapina os teria devorado? Ou uma cobra? Um gato?
            - Não!
            Não deviam ter deixado os pobrezinhos sozinhos naquela mata fechada. Bem que Danta tentou trazê-los para serem criados em casa. Sim, daria mingau de farinha, no bico, água e sombra e proteção. Não morreriam.
            - Sim!
            Correu à casa do amigo que ficava perto. Entrou sem pedir licença. Quase atropela um cachorro magro que dormitava na entrada. Danta engolia às pressas arroz de leite fumegante, os olhos ficavam aguados pela ação violenta do calor de quase 90°. Mas, logo, soltando o prato de ágata sobre a esteira no chão, foi atordoado, atrás do amigo que o chamara para o quintal. Ali, debaixo de um pau d’arco florido, Guerra lhe expôs seu pensamento, a sua preocupação com os filhotes de rolinha. Danta sentou num toco à sombra, reclamou:
            - Bem que eu queria trazer o ninho com os bichinhos! Você foi contra.
            - É. Mas agora eu mudei de idéia.
            - Que vamos fazer?
            - Não vamos fazer uma guerra, correremos até lá e traremos os coitados.
            Foi uma apanha e uma entrega. Dispararam sem dá satisfações a ninguém. Carreira por entre pedras, mato, pulando cercas. Vencendo passadiços e, finalmente, pararam diante do local onde deixaram o ninho.
            Foi grande a decepção, misturado com incredulidade, não podia ser!
            - Cadê o ninho?!
            Vociferou Guerra com raiva, gritando. O grito ecoou mata adentro, espantando aves que dormitavam enquanto passava o meridiano. Até guaxinim saiu correndo do esconderijo.
            -Ué! Guaxinim só sai à noite?
            Comentou Danta, totalmente desligado do assunto do ninho de rolinha. Guerra, o pegou pela camisa semi-rasgada, o trouxe à realidade:
            - Tô falando dos dois bichinhos que nós deixamos aqui!
            Danta estrebuchou, soltou-se do amigo e, assim, se deu conta de que realmente fora o que realmente aconteceu. Ficaram tristes. Cabisbaixos. Guerra enxugou o rosto com as costas das mãos, parecia que chorava. Danta saiu chutando garranchos pelo chão. Foram sentar à sombra de uma árvore enorme que havia ali: um tamarineiro.
            - Alguém veio e furtou o ninho.
            Balbuciou Guerra, enquanto quebrava pedacinhos de cipó seco, que provocava um ruído sem ressonância.
            - Não terá sido a rolinha mãe, que trocou o ninho do lugar?
            - Como?
            - Nós colocamos umas tralhas por cima, daí ela percebeu que havia outros interessados nos seus filhotes?
            Guerra ficou matutando sobre a argumentação do amigo. Será? Pensou lá com os seus botões. De repente, dando um salto, exclamou:
            - Danta! Vamos procurar por aqui, pode ser que nós reencontremos os pobrezinhos...?
            O outro fez que sim com a cabeça e saíram, de moita em moita, abrindo a mata, por todos os recantos, de dentro para fora e de fora para dentro do matagal. Não descobriram nada, nenhum vestígio. Desanimados, voltaram para o ponto de partida. Agora Guerra contemplava o velho pé de tamarindo. Carregado de vagens ainda verdes. Deu água na boca, mas não adiantava colher, o fruto não estava no ponto de ser chupado.
            Foi quando Danta teve outra idéia.
            - Já sei!
            - O que?
            Levantando-se, passando as mãos no fundo do calção puído, retirando pedaços de gravetos e de folhas secas grudadas, falou:
            - Foi o Pedrão!
            - Que Pedrão, homem?!
            - Aquele menino alto, magro e que tem os cabelos da cor de burro quando foge que mora na rua de trás!
            - Diabo de cor é essa?
            - Não tem cor nenhuma...
            Danta deu uma risada. Guerra não mexeu nenhum músculo. Sentado estava, sentado fiou. Indagou:
            - Por que acha que foi esse tal de cor de burro...?
            - Cor de burro, não. Cabelo cor de burro quando foge.
            Consertou Danta.
            - Então: esse tal de Pedrão?
            Danta voltou a sentar perto do amigo, bem vexado, relatou:
            - Quando nós estávamos indo daqui para casa, depois de deixar o ninho, passaram por nós o Pedrão, Zé de Terta e Mourão, os amigos dele, do Pedrão. E acho que eles vieram para essas bandas.
            Guerra ficou interessado.
            - Por que você não me avisou?
            - Eu lá sabia que eles vinham atrás de ninho de rolinha!
            Guerra saiu andando apressado, Danta no seu pé, tagarelando:
            - O que você vai fazer? Não diga que vai pegar o Pedrão? Não me meta nessa história! Não tenho nada com isso! E aí?
            Guerra era conhecido como menino perverso, danado demais. Em arengas com outros da sua idade, sempre saía ganhando. O pior: batia nos adversário com pedaço de pau, com corda, e até com pedras. Certa vez lascou a cabeça de um desafeto, porque o coitado não permitiu que ele, Guerra, jogasse no seu time de futebol. Ao tirar a barra, o cara proibiu Guerra de participar da pelada. Este pegou de uma pedra que quase não cabia na mão, arremessou na testa do outro que caiu gritando e ensaguentado. O caso foi parar na Delegacia. Defendeu o autor do fato o Vigário da cidade, Padre Benedito Basílio Alves, seu padrinho.
            Já perto da rua, Guerra acalmou o amigo:
            - Deixa comigo. Quero só saber quem é esse tal Pedrão do cabelo de burro para perguntar pelo ninho...
            Danta ficou para trás. Não queria indicar o suposto criminoso. Sabe que o bicho vai pegar. Arrependido, dizia de si para consigo: para que fui falar no Pedrão? Tomara que não tenha sido ele. Mas, se foi. Ai meu Deus! To perdido!               
            Guerra, notando que o companheiro ficara um pouco distante, o chamou, abanando com a mão:
            - Vamos, Danta! Quero interrogar o Pedrão!
            Danta apressou o passo e fez o pelo-sinal-da-santa-cruz.
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Próximo domingo:
Sinopse: O que acontecerá? Guerra encontra Pedrão. Pedrão afirma ter roubado o ninho de rolinhas. Briga. Fuga. Entra o avô de Guerra na história: Adrião Bezerra. Danta também se esconde. Medo de Pedrão descobrir que fora ele o idealizador de todo o bafafá. O resto você vai saber lendo o Capítulo II
           

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