Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
Por William Guerra*
CAPÍTULO XV
Têm início as comemorações!
Verdejante está em festa. A padroeira, Nossa Senhora da Conceição, tornou-se a protetora dos verdejantenses porque a imagem de mais de um metro e meio, vinda de Portugal mandada por um devoto desconhecido, aportou no mar de Areia Branca no final do século passado.
O navio que transportava a bela imagem naufragou, e o caixão de madeira que a conduzia com as inscrições em letras bem viva: “Para a Paróquia das Missões da Ribeira de Verdejante – Rio Grande do Norte” ficou à deriva e foi encontrada por um pescador solitário boiando a beira da praia. A Diocese foi acionada e fez o traslado da imagem até ali, onde foi recebida com festividades e transformou-se em mais uma padroeira do lugar, já que São João Batista também protegia a cidade. E este foi designado padroeiro de Verdejante, também, por ter se dado início ao povoamento do lugar pelos irmãos Nogueira, vindos da Paraíba, no mês de junho. Dentro da embalagem onde a imagem foi colocada, havia um ratinho que sobrevivera a toda a viagem que, na primeira oportunidade, saiu correndo e sumiu por entre os armários da sacristia.
E hoje as barracas enfeitadas e bem movimentadas, já, às 18h00 da tarde, emprestavam um quê de contentamento e paz aos habitantes. Esqueciam por alguns dias todos os demais acontecimentos ruins. O povo fazia suas roupas novas para estrearem naquela data. Dos sítios vinham as caravanas de devotos para às missas celebradas durante o dia e, à noite, participarem do divertimento oferecido. Muitas barraquinhas de pau e lona em volta da praça com suas guloseimas, seus trecos oferecidos à venda. O Parque de Júlio do Ó instalado em frente à residência do tesoureiro Carrinho. O juju, o carrossel e quatro canos: duas para os adultos e duas para as crianças.
Alguém trouxera um motor à diesel e iluminava o Parque. Os demais pontos eram clareados com faróis, grandes lamparinas com espécie de proteção nas laterais contra a ação do vento.
Na igreja muitas velas, lampiões de gás. Bem como nas barracas. De tal maneira disposto os lampiões, os faróis e as velas que tudo ficava às claras, pelo menos em frente à matriz. Cada um se apresentava com o seu jeito de ver e festejar a padroeira. Havia aqueles que carregavam sua própria luz: um farol dos mais modernos em exibição que fazia a admiração de todos.
Seu Lúcio já trouxera os foguetões e os repousara no tronco da antiga timbaúba para solta-los após a missa. Em seguida três coloridos balões, feitos por Chico Guarda, deveriam subir nos céus de verdejante. Momento aguardado por todos, em especial pela meninada.
Guerra e Danta encontravam-se numa humilde barraca por ali. Era Golinha que bancava o jogo chamado de “caipira”. Consistia esse tipo de de jogo dispor sobre uma mesa um quadrado com seis números: 1 – 2 - 3 – 4 – 5 e 6, os mesmo de um dado feito de osso. Numa latinha de manteiga o banqueiro colocava dentro o dado, balançava e emborcava a vasilha, o dado por baixo, ninguém via. O que quisesse arriscar a sorte, botava sobre um número escolhido qualquer quantia e, ao levantar a latinha, o número escolhido pelo freguês fosse o mesmo que o dado indicava, ganhava este o dobro do que tivera arriscado no dito número. A meninada quem mais tentava a sorte no “caipira” de golinha. Era uma ilusão que divertia.
Havia ainda o jogo da “pretinha”, o 21 e as argolas atiradas sobre uma enorme taboa dentro de um círculo feito de cordas e, sobre o tablado, carteiras de cigarro, garrafas de cruch, um montinho de pratas ou notas em dinheiro. Caso aqueles que se dispusesse a comprar uma certa quantidade de argolas para arriscar naquele jogo, ganharia aquele objeto laçado ao atirar as argolas de uma certa distância.
Tudo era diversão. Alegria. Congratulações entre todos.
Na igreja padre Benedito Basílio Alves dirigia as cerimônias, auxiliado por Manoel Dantas e dois coroinhas. As beatas e os demais fiéis entoavam os cânticos. Lá fora, o Parque só poderia começar a funcionar depois de terminada a missa.
Casais de namorados desfilavam na praça. Pegavam na mão um do outro, era o permitido. Por ali estavam os pais, parentes e pessoas predeterminadas para não deixarem que se assanhassem mais que o costume da época. Mas havia aqueles mais astutos e escapuliam onde fosse mais escuro detrás de um muro, agachados numa moita. E isso trazia graves conseqüências quando flagrados. No outro dia os cochichos se espalhavam e o nome da moça protagonista de tal ato não permitido, ficaria manchado para sempre, a não ser que viesse a casar com o namorado astucioso.
João Batista Guerra assistia à missa acompanhado da noiva. Encerrada a celebração todos vão saindo para o patamar, desceriam devagar, rindo, conversando, juntar-se àqueles que se aglomeravam ao redor da praça parando nas barracas, comer uma cocada, um pedaço de bolo acompanhado de um copo de refresco de tamarindo, ou um copo de aluá.
Guerra chegou para perto do irmão e lhe pediu umas pratas para sair nas barracas comprando alguma coisa, se divertindo. De repente, os estouros dos foguetões no ar. Agitação. As tabocas que despencavam amarradas ao cipó de marmeleiro, eram disputadas pela meninada em frenesi. Lá no patamar, já a tocha que encheria os balões de ar já se encontrava acesa.
Guerra saiu correndo naquela direção. Esqueceu as pratas do irmão. Encontrou Danta já por ali e o amigo Wilson que, à medida que o balão se alumiava e enchia, ia exclamando:
- Vixe!
Tudo pára para que se olhe o balão subir. Há apostas: uns dizem que sobe, outros afirmam que não chega a 10 metros de altura, cai e pega fogo. É um momento de grandes emoções os balões de Chico Guarda.
Eis que o primeiro balão na cor azul, pertencente à barra de mesma cor, vai subir, Chuço Guarda o segura enquanto o balão tenta se soltar, voar para longe, levando com ele um misto de alegria e saudade. E lá vai! Aplauso! Risos e vivas à barraca azul. Que espetáculo! O balão se agita, ameaça voltar para o chão, mas uma lufada de vento o impulsiona e ele ganha altura, sobe, e as pessoas ficam olhando enquanto dá. Vira um pequenino ponto luminoso pras bandas do sul... E as atenções se voltam para o balão encarnado. É a vez de a barraca encarnada ter o seu balão subindo nos céus de Verdejante.
- Vixe!
Diz Wilson, olhando para Guerra que segura algumas tabocas de foguetão. Danta também tem as suas. A disputa com outros meninos foi ferrenha. Wilson não foi à disputa, por isso não pegara aquele brinquedo que só existe, talvez, nessa cidade chamada Verdejante.
O balão encarnado parece uma tocha de fogo. Uma imensa brasa que urge subir cheia de ar. Alguns vêem naquela cor o sangue de inocentes. Mas, admirados, os presentes notam que o balão tem om formato de um coração.
- Que bonito!
- Um coração subindo!
- A barraca encarnada tem imaginação!
- Com isso os seus organizadores já ganharam!
Eram as exclamações. Os olhos brilhavam de todos os que se acotovelavam para ver o coração encarnado subir. Os que estavam longeais de perto. Se posstam para ver o coraçeia de ara. m olhando enquanto d acorreram até o patamar. Queriam enxergar mais de perto. Se possível pegarem no balão tão bonito.
Os do cordão azul, não acreditavam no que viam. Como foi que Chico Guarda fez aquilo para aquela barraca, não deu nenhuma idéia para a nossa? Pensavam alguns. Uns desanimavam, outros não.
- Tem nada não, gente! Nunca vi coração ganhar disputa... Todo coração perde, até no amor...!
Teve gente que não gostou da piada. Mas houve aqueles que riram do incentivo daquele da barraca azul, inconformado com o bajulador feitor dos balões para coma a barraca encarnada. Mas a verdade é que era uma novidade o modelo daquele balão. Nunca houvera aquilo. Balão de diversas cores, enfeitado, mas sempre no mesmo modelo, em forma de coração foi o primeiro. Chico Guarda até comentou:
- Num sei se o bicho vai subir, não! Ta muito pesado.
Os balões são confeccionados com papel crepom e muito grude. E este, no formato de um coração, estava bem maior que os balões normais. Seria um teste. E por causa disso, havia duas torcidas: os contra que pertenciam ao cordão azul, e aqueles a favor, do cordão encarnado, que desejavam ver o balão subir. E a hora estava chegando. Um burrinho total. Correria. A meninada dava gritos e pulavam de alegria. Coisa mais bela. Que imaginação, fazer um coração encarnado formando um coração!
E Chico Guarda segurava o balão que pendia para um lado e para o outro. O fabricante de balão da cidade esperou uma lufada d vento mais forte e, vendo que estava no ponto, foi deixando o coração se soltar de suas mãos, dedos... E o balão ganhou altura. Célere. Imponente!
Aplausos e viva de alegria. Viva a barraca encarnada. A multidão extasiada dva adeus com as mãos àquela novidade que dera certo em Verdejante. O balão, em forma de coração, Foi subindo, cheio de ar, enquanto ardia a tocha de bucha embebida em azeite de querosene. O fogo o enchia cada vez mais e o cento levava aquele adorno do céu para longe. Foi sumindo para o lado do sul. Daqui a pouco era apenas um minúscula luz vermelha que se foi... Foi e sumiu...
Lá em baixo o juju rodava com os meninos agarrados nas cadeirinhas penduradas por correntes de ferro. Tve peralta que vomitou de tanto rodar no brinquedo. O carrossel girava, embalado pelo fole de Zé Macaco, Federico no zabumba e Nenen no pandeiro. Os casais de namorados ficavam suados de tantas voltas que davam naquela armação de tábuas, ferro e rolamentos. Um negão forte, musculoso era o motor empurrando o carrossel que, começava de vagar, varinho, daqui a pouco já girava em grande velocidade. Cinco minutos de passeio no carrossel. A mulher de Júlio do Ó era a vendedora dos bilhetes para se ter direito a uma corrida.
Era quase a noite inteira naquele contentamento. Vez em quando aparecia um freguês que houvera bebido além da conta, rodopiava no carrossel e rodopiava de bêbado. Os meninos se divertiam com as presepadas que aconteciam aos montes.
Guerra, Danta e Wilson já pegaram carona no carrossel; se divertiram no juju e andaram de canoa. Arriscaram alguns tostões no caipira de golinha, Comeram bolo de milho e beberam refresco de casca de abacaxi. Fartos e alegres, agora olhavam para aquele mundo de gente caminhando de um lado para outro, levantando poeira que se misturava ao suor. Nas barracas encarnada e azul deram início ao pastoril. Havia o velho que contava estórias, pilheriava e vendia prendas aos espectadores. As moças vestidas com sais de toda cor e com adornos no pescoço, orelha e reluzentes pulseiras em cada braço que dançavam. Tudo isso entressachado com cantos, eram as pastoras.
E lá estava a Diana.
Os pastoris/ também são representados durantes os festejos de natal. São loas e louvações a Belém, cidade onde nasceu o menino Jesus.
Danta, Wilson e Guerra caminhavam por entre as pessoas. Um cheiro de estrato no ar. Eram pequeninos frascos que continham uma dose somente de perfume barato. Os habitantes da zona rural costumavam compra-lo e despejar todo o conteúdo de uma só vez no corpo, ensopando a camisa e os cabelos.
De repente chegou um menino que se deliciava com um alfenim em forma de cachimbo, fazendo inveja àqueles. Guerra indagou onde ficava a barraca com o vendedor de alfenim. O garoto respondeu:
- Bem ao lado do patamar da igreja. É um vendedor de fora. Tem alfenim de todo modelo: flor, sapato, boneco, peixe, gato...
Os amigos nem ouviram mais as descrições do outro. Correram a ver os caixões cheios de alfenins. Um sujeito forte, careca, roliço e suado feito tampa de chaleira, apregoava a sua mercadoria:
- Olha o alfenim, feito de açúcar,
Pede ao papai pra comprar,
Menino compra pra mim
Quem tem cara de alfenim!
Os três companheiros ficaram com água na boca. Encantados com a lábia do vendedor. Guerra pensou: De onde vem esse vendedor?” De repente apareceu criança de tudo o quanto é canto para comprar alfenim. Pois só conheciam os alfenins feitos por Purana, puxados e que eram moles e pegajosos, mas gostosos. Os puxa-puxa que Dão Galdino saía oferecendo aos domingos, de casa em casa, gritando:
- Olha o alfenim!!!
Menino nenhum resistia aos quitutes feitos por Purana: cocadas de leite; cocadas de rapadura, pés-de-moleque, doce de mamão com coco e alfenim. Outra doceira de mão era Cotó, já conhecida dessas páginas atrás, bolos de ovos, sequilhos e suspiros, sua freguesia se constituía de todas as famílias do lugar.
Guerra saiu a procura do seu irmão, João Batista, pedir-lhe uns trocados. O encontrou sentado na calçada do farmacêutico, seu sogro. Todos riram quando falou que queria comprar alfenim que viera de outro lugar, trazido por um homem gordo e careca. Com os trocados na mão, correu de volta. Comprou um sapato, um cachimbo e uma flor. Distribuiu entre Danta e Wilson e saíram perambulando saboreando cada um o seu alfenim. Havia ainda pirulitos. Estes mais deliciosos... Enfiados num palito e enrolados num papel.
Aos poucos, a noite foi esfriando, as pessoas voltando para suas casas. Os moradores dos sítios saíam em primeiro lugar, descansar e voltar amanhã para os folguedos da tarde e o leilão de noite.
Os barraqueiros arrumavam os trecos, apagavam o fogo à lenha onde ferviam água pro café, assar carne, esquentar caldos. Alguns dormiam ali mesmo, armavam a rede debaixo de pés-de-figo ou fincavam estacas possantes e, com o auxílio de cordas, estendiam as suas tipóias e ferravam o sono. Ninguém os molestava. Alguns traziam o cão amigo que espreitava atento a qualquer reboliço.
Daqui a pouco a cidade dormia. Um ou outro notívago insistia em caminhar sob a luz das estrelas, somente. Outros mais afoitos faziam serenata com violão e canções de amor. Guerra, Danta e Wilson também já dormiam, se que puderam dormir ansiosos para que chegue logo amanhã e participarem das competições pelas barracas azul e encarnada.
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RESUMO: Todo o dia da festa de N. S. da Conceição. Os verdejantenses que vieram em visita à terra. As brincadeiras e o leião em cada barra. As figuras típicas. Cstumes e demais acontecimentos. Dias de tranquilidade. 8 de dezembro há missa, leião do emio-dia e o encerramento com a procissão. Depois do período da festa o clima vai esquentar em Verdejante.Prepare-se.
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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.