domingo, 31 de julho de 2011

Romance de Domingo

Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
  Por William Guerra*


CAPÍTULO XV

         Têm início as comemorações!

         Verdejante está em festa. A padroeira, Nossa Senhora da Conceição, tornou-se a protetora dos verdejantenses porque a imagem de mais de um metro e meio, vinda de Portugal mandada por um devoto desconhecido, aportou no mar de Areia Branca no final do século passado.
        
         O navio que transportava a bela imagem naufragou, e o caixão de madeira que a conduzia com as inscrições em letras bem viva: “Para a Paróquia das Missões da Ribeira de Verdejante – Rio Grande do Norte” ficou à deriva e foi encontrada por um pescador solitário boiando a beira da praia. A Diocese foi acionada e fez o traslado da imagem até ali, onde foi recebida com festividades e transformou-se em mais uma padroeira do lugar, já que São João Batista também protegia a cidade. E este foi designado padroeiro de Verdejante, também, por ter se dado início ao povoamento do lugar pelos irmãos Nogueira, vindos da Paraíba, no mês de junho. Dentro da embalagem onde a imagem foi colocada, havia um ratinho que sobrevivera a toda a viagem que, na primeira oportunidade, saiu correndo e sumiu por entre os armários da sacristia.
        
          E hoje as barracas enfeitadas e bem movimentadas, já, às 18h00 da tarde, emprestavam um quê de contentamento e paz aos habitantes. Esqueciam por alguns dias todos os demais acontecimentos ruins. O povo fazia suas roupas novas para estrearem naquela data. Dos sítios vinham as caravanas de devotos para às missas celebradas durante o dia e, à noite, participarem do divertimento oferecido. Muitas barraquinhas de pau e lona em volta da praça com suas guloseimas, seus trecos oferecidos à venda. O Parque de Júlio do Ó instalado em frente à residência do tesoureiro Carrinho. O juju, o carrossel e quatro canos: duas para os adultos e duas para as crianças. 

         Alguém trouxera um motor à diesel e iluminava o Parque. Os demais pontos eram clareados com faróis, grandes lamparinas com espécie de proteção nas laterais contra a ação do vento.

         Na igreja muitas velas, lampiões de gás. Bem como nas barracas. De tal maneira disposto os lampiões, os faróis e as velas que tudo ficava às claras, pelo menos em frente à matriz. Cada um se apresentava com o seu jeito de ver e festejar a padroeira. Havia aqueles que carregavam sua própria luz: um farol dos mais modernos em exibição que fazia a admiração de todos.

         Seu Lúcio já trouxera os foguetões e os repousara no tronco da antiga timbaúba para solta-los após a missa. Em seguida três coloridos balões, feitos por Chico Guarda, deveriam subir nos céus de verdejante. Momento aguardado por todos, em especial pela meninada.

         Guerra e Danta encontravam-se numa humilde barraca por ali. Era Golinha que bancava o jogo chamado de “caipira”. Consistia esse tipo de de jogo dispor sobre uma mesa um quadrado com seis números:  1 – 2  - 3 – 4 – 5 e 6, os mesmo de um dado feito de osso. Numa latinha de manteiga o banqueiro colocava dentro o dado, balançava e emborcava a vasilha, o dado por baixo, ninguém via. O que quisesse arriscar a sorte, botava sobre um número escolhido qualquer quantia e, ao levantar a latinha, o número escolhido pelo freguês fosse o mesmo que o dado indicava, ganhava este o dobro do que tivera arriscado no dito número. A meninada quem mais tentava a sorte no “caipira” de golinha. Era uma ilusão que divertia.

         Havia ainda o jogo da “pretinha”, o 21 e as argolas atiradas sobre uma enorme taboa dentro de um círculo feito de cordas e, sobre o tablado, carteiras de cigarro, garrafas de cruch, um montinho de pratas ou notas em dinheiro. Caso aqueles que se dispusesse a comprar uma certa quantidade de argolas para arriscar naquele jogo, ganharia aquele objeto laçado ao atirar as argolas de uma certa distância.

         Tudo era diversão. Alegria. Congratulações entre todos.

         Na igreja padre Benedito Basílio Alves dirigia as cerimônias, auxiliado por Manoel Dantas e dois coroinhas. As beatas e os demais fiéis entoavam os cânticos. Lá fora, o Parque só poderia começar a funcionar depois de terminada a missa.

         Casais de namorados desfilavam na praça. Pegavam na mão um do outro, era o permitido. Por ali estavam os pais, parentes e pessoas predeterminadas para não deixarem que se assanhassem mais que o costume da época. Mas havia aqueles mais astutos e escapuliam onde fosse mais escuro detrás de um muro, agachados numa moita. E isso trazia graves conseqüências quando flagrados. No outro dia os cochichos se espalhavam e o nome da moça protagonista de tal ato não permitido, ficaria manchado para sempre, a não ser que viesse a casar com o namorado astucioso.

         João Batista Guerra assistia à missa acompanhado da noiva. Encerrada a celebração todos vão saindo para o patamar, desceriam devagar, rindo, conversando, juntar-se àqueles que se aglomeravam ao redor da praça parando nas barracas, comer uma cocada, um pedaço de bolo acompanhado de um copo de refresco de tamarindo, ou um copo de aluá.

         Guerra chegou para perto do irmão e lhe pediu umas pratas para sair nas barracas comprando alguma coisa, se divertindo. De repente, os estouros dos foguetões no ar. Agitação. As tabocas que despencavam amarradas ao cipó de marmeleiro, eram disputadas pela meninada em frenesi. Lá no patamar, já a tocha que encheria os balões de ar já se encontrava acesa.

         Guerra saiu correndo naquela direção. Esqueceu as pratas do irmão. Encontrou Danta já por ali e o amigo Wilson que, à medida que o balão se alumiava e enchia, ia exclamando:

         - Vixe!

         Tudo pára para que se olhe o balão subir. Há apostas: uns dizem que sobe, outros afirmam que não chega a 10 metros de altura, cai e pega fogo. É um momento de grandes emoções os balões de Chico Guarda.

         Eis que o primeiro balão na cor azul, pertencente à barra de mesma cor, vai subir, Chuço Guarda o segura enquanto o balão tenta se soltar, voar para longe, levando com ele um misto de alegria e saudade. E lá vai! Aplauso! Risos e vivas à barraca azul. Que espetáculo! O balão se agita, ameaça voltar para o chão, mas uma lufada de vento o impulsiona e ele ganha altura, sobe, e as pessoas ficam olhando enquanto dá. Vira um pequenino ponto luminoso pras bandas do sul... E as atenções se voltam para o balão encarnado. É a vez de a barraca encarnada ter o seu balão subindo nos céus de Verdejante.

         - Vixe!

         Diz Wilson, olhando para Guerra que segura algumas tabocas de foguetão. Danta também tem as suas. A disputa com outros meninos foi ferrenha. Wilson não foi à disputa, por isso não pegara aquele brinquedo que só existe, talvez, nessa cidade chamada Verdejante.

         O balão encarnado parece uma tocha de fogo. Uma imensa brasa que urge subir cheia de ar. Alguns vêem naquela cor o sangue de inocentes. Mas, admirados, os presentes notam que o balão tem om formato de um coração.

         - Que bonito!

         - Um coração subindo!

         - A barraca encarnada tem imaginação!

         - Com isso os seus organizadores já ganharam!

         Eram as exclamações. Os olhos brilhavam de todos os que se acotovelavam para ver o coração encarnado subir. Os que estavam longeais de perto. Se posstam para ver o coraçeia de ara. m olhando enquanto d acorreram até o patamar. Queriam enxergar mais de perto. Se possível pegarem no balão tão bonito.

         Os do cordão azul, não acreditavam no que viam. Como foi que Chico Guarda fez aquilo para aquela barraca, não deu nenhuma idéia para a nossa? Pensavam alguns. Uns desanimavam, outros não.

         - Tem nada não, gente! Nunca vi coração ganhar disputa... Todo coração perde, até no amor...!

         Teve gente que não gostou da piada. Mas houve aqueles que riram do incentivo daquele da barraca azul, inconformado com o bajulador feitor dos balões para coma a barraca encarnada. Mas a verdade é que era uma novidade o modelo daquele balão. Nunca houvera aquilo. Balão de diversas cores, enfeitado, mas sempre no mesmo modelo, em forma de coração foi o primeiro. Chico Guarda até comentou:

         - Num sei se o bicho vai subir, não! Ta muito pesado.

         Os balões são confeccionados com papel crepom e muito grude. E este, no formato de um coração, estava bem maior que os balões normais. Seria um teste. E por causa disso, havia duas torcidas: os contra que pertenciam ao cordão azul, e aqueles a favor, do cordão encarnado, que desejavam ver o balão subir. E a hora estava chegando. Um burrinho total. Correria. A meninada dava gritos e pulavam de alegria. Coisa mais bela. Que imaginação, fazer um coração encarnado formando um coração!

         E Chico Guarda segurava o balão que pendia para um lado e para o outro. O fabricante de balão da cidade esperou uma lufada d vento mais forte e, vendo que estava no ponto, foi deixando o coração se soltar de suas mãos, dedos... E o balão ganhou altura. Célere. Imponente!

         Aplausos e viva de alegria. Viva a barraca encarnada. A multidão extasiada dva adeus com as mãos àquela novidade que dera certo em Verdejante. O balão, em forma de coração, Foi subindo, cheio de ar, enquanto ardia a tocha de bucha embebida em azeite de querosene. O fogo o enchia cada vez mais e o cento levava aquele adorno do céu para longe. Foi sumindo para o lado do sul. Daqui a pouco era apenas um minúscula luz vermelha que se foi... Foi e sumiu...

         Lá em baixo o juju rodava com os meninos agarrados nas cadeirinhas penduradas por correntes de ferro. Tve peralta que vomitou de tanto rodar no brinquedo. O carrossel girava, embalado pelo fole de Zé Macaco, Federico no zabumba e Nenen no pandeiro. Os casais de namorados ficavam suados de tantas voltas que davam naquela armação de tábuas, ferro e rolamentos. Um negão forte, musculoso era o motor empurrando o carrossel que, começava de vagar, varinho, daqui a pouco já girava em grande velocidade. Cinco minutos de passeio no carrossel. A mulher de Júlio do Ó era a vendedora dos bilhetes para se ter direito a uma corrida.

         Era quase a noite inteira naquele contentamento. Vez em quando aparecia um freguês que houvera bebido além da conta, rodopiava no carrossel e rodopiava de bêbado. Os meninos se divertiam com as presepadas que aconteciam aos montes.

         Guerra, Danta e Wilson já pegaram carona no carrossel; se divertiram no juju e andaram de canoa. Arriscaram alguns tostões no caipira de golinha, Comeram bolo de milho e beberam refresco de casca de abacaxi. Fartos e alegres, agora olhavam para aquele mundo de gente caminhando de um lado para outro, levantando poeira que se misturava ao suor. Nas barracas encarnada e azul deram início ao pastoril. Havia o velho que contava estórias, pilheriava e vendia prendas aos espectadores. As moças vestidas com sais de toda cor e com adornos no pescoço, orelha e reluzentes pulseiras em cada braço que dançavam. Tudo isso entressachado com cantos, eram as pastoras.

         E lá estava a Diana.

         Os pastoris/ também são representados durantes os festejos de natal. São loas e louvações a Belém, cidade onde nasceu o menino Jesus.

         Danta, Wilson e Guerra caminhavam por entre as pessoas. Um cheiro de estrato no ar. Eram pequeninos frascos que continham uma dose somente de perfume barato. Os habitantes da zona rural costumavam compra-lo e despejar todo o conteúdo de uma só vez no corpo, ensopando a camisa e os cabelos.

         De repente chegou um menino que se deliciava com um alfenim em forma de cachimbo, fazendo inveja àqueles. Guerra indagou onde ficava a barraca com o vendedor de alfenim. O garoto respondeu:

         - Bem ao lado do patamar da igreja. É um vendedor de fora. Tem alfenim de todo modelo: flor, sapato, boneco, peixe, gato...
         Os amigos nem ouviram mais as descrições do outro. Correram a ver os caixões cheios de alfenins. Um sujeito forte, careca, roliço e suado feito tampa de chaleira, apregoava a sua mercadoria:

         - Olha o alfenim, feito de açúcar,
           Pede ao papai pra comprar,
           Menino compra pra mim
           Quem tem cara de alfenim!

         Os três companheiros ficaram com água na boca. Encantados com a lábia do vendedor. Guerra pensou: De onde vem esse vendedor?” De repente apareceu criança de tudo o quanto é canto para comprar alfenim. Pois só conheciam os alfenins feitos por Purana, puxados e que eram moles e pegajosos, mas gostosos. Os puxa-puxa que Dão Galdino saía oferecendo aos domingos, de casa em casa, gritando:

         - Olha o alfenim!!!

         Menino nenhum resistia aos quitutes feitos por Purana: cocadas de leite; cocadas de rapadura, pés-de-moleque, doce de mamão com coco e alfenim. Outra doceira de mão era Cotó, já conhecida dessas páginas atrás, bolos de ovos, sequilhos e suspiros, sua freguesia se constituía de todas as famílias do lugar.

         Guerra saiu a procura do seu irmão, João Batista, pedir-lhe uns trocados. O encontrou sentado na calçada do farmacêutico, seu sogro. Todos riram quando falou que queria comprar alfenim que viera de outro lugar, trazido por um homem gordo e careca. Com os trocados na mão, correu de volta. Comprou um sapato, um cachimbo e uma flor. Distribuiu entre Danta e Wilson e saíram perambulando saboreando cada um o seu alfenim. Havia ainda pirulitos. Estes mais deliciosos... Enfiados num palito e enrolados num papel.

         Aos poucos, a noite foi esfriando, as pessoas voltando para suas casas. Os moradores dos sítios saíam em primeiro lugar, descansar e voltar amanhã para os folguedos da tarde e o leilão de noite.

         Os barraqueiros arrumavam os trecos, apagavam o fogo à lenha onde ferviam água pro café, assar carne, esquentar caldos. Alguns dormiam ali mesmo, armavam a rede debaixo de pés-de-figo ou fincavam estacas possantes e, com o auxílio de cordas, estendiam as suas tipóias e ferravam o sono. Ninguém os molestava. Alguns traziam o cão amigo que espreitava atento a qualquer reboliço.

         Daqui a pouco a cidade dormia. Um ou outro notívago insistia em caminhar sob a luz das estrelas, somente. Outros mais afoitos faziam serenata com violão e canções de amor. Guerra, Danta e Wilson também já dormiam, se que puderam dormir ansiosos para que chegue logo amanhã e participarem das competições pelas barracas azul e encarnada.

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RESUMO: Todo o dia da festa de N. S. da Conceição. Os verdejantenses que vieram em visita à terra. As brincadeiras e o leião em cada barra. As figuras típicas. Cstumes e demais acontecimentos. Dias de tranquilidade. 8 de dezembro há missa, leião do emio-dia e o encerramento com a procissão. Depois do período da festa o clima vai esquentar em Verdejante.Prepare-se.


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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Romance de Quinta


Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
  Por William Guerra*
 


CAPÍTULO XIV

            Na praça, em frente à igreja matriz começavam a montar as barracas da festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição. Uma de cor vermelha (encarnada) e outra azul. As famílias eram dividas para que arrecadassem prendas para o leilão, além de cada barraca candidatar uma jovem à Rainha da Festa. Esta saía com suas amigas a argariar donativos para firmar a maior quantia, pois vencia aquela que somasse mais. Era uma disputa acirrada, mas com decência e muita animação.

            Guerra e Danta já ali foram olhar cavar o chão; erguer as enormes estacas que sustentariam as bandeirolas; movimento de molhar a terra para evitar poeira; as mesas, cadeiras... Todo um preparativo para a festança que começa amanhã e prolonga-se até dia 8 de dezembro.

            Os adeptos da barraca azul, não compartilham em nada com os aficionados da barraca encarnada. E vice-versa. Há até segredo, surpresas. As candidatas, naturalmente que as mais belas entre as mais bonitas, saem pelos sitos, pelas ruas e vão até outras cidades pedindo prendas e doações em dinheiro para o grande dia. São dois leilões: um da barra azul e outro da encarnada.

            Os meninos se animavam. Havia pastoris com as Dianas dançando e cantando. Elas não tinham partido: tanto havia pastorinhas numa barraca como noutra e suas roupas eram feitas de ambas as cores: azul e encarnado. Em redor à praça as barracas que a gente humilde montava para vender bolo, tapioca, refresco de tamarindo, aliás, cocada, pão doce e, aqui e acolá, umas vendendo pinga com tira-gosto de tripa assada. Não faltava o gostoso café donzelo, coado em pano numa panela de barro.

            Vinha o carrossel de Júlio do Ó; as canoas e o juju (espécie de carrossel mirim, para as crianças). Todo ano Júlio do Ó comparecia, tanto na festa da padroeira de 8 de dezembro como no São João, em junho, montando na praça o seu rústico Parque de Diversões, em frente à Legião e da residência do tesoureiro da prefeitura, Carrinho. Guerra não perdia nada, comparecia com os ajudantes que armavam os objetos que serviam à diversão e, o que eles pediam: um cafezinho ou um copo de água, Guera trazia-os e ganhava rodadas de graça no juju, no carrossel e balanços nas canoas.

            Os amigos pulavam de alegria. Esfregavam as mãos e, assim, saíram para uma percorrida pela mata próxima à cidade. Desta vez foram até os arredores onde ficava alagoa seca. Vê se havia aguapés. Ainda não. Só quando começasse o inverno. Voltaram. Rumaram, sem parar, até à lagoa para uns mergulhos.

            Guerra ainda não tocara no assunto do irmão que estará chegando logo mais. Danta, esperto, para não aborrecer o amigo, também nada falou.

            Eram serenas as águas traquilas e repletas de peixes da dadivosa lagoa. Uma bacia que mais parecia um espelho a refletir o céu azul, os raios do sol dourado... Os meninos não se cansavam de banhar-se. Uma delícia. Ah se todas as cidades do mundo fossem agraciadas com uma lagoa. A de Verdejante tem três léguas de extensão. Um patrimônio do município. Um alento para muitas famílias que tiram o seu sustento de suas águas: às margens formam as vazantes. Outros pescam e o pescado é comercializado ou guardado para alimentarem suas famílias. Deus foi generoso para com Verdejante.
           
            Guerra e Danta resolveram voltar às suas casas. O almoço os esperava. O dia tinha pressa. Guerra, enquanto as horas avançavam ia ficando mais ansioso. O coração batia mais forte. O reencontro com o irmão. Não somente isso, mas saber que João Batista se formara em professor, seria homem importante na cidade. O obrigaria a estudar. O pior era que não poderia fugir dessa obrigação. Para o seu próprio bem e a satisfação dos seus pais. O que vou fazer? Pensava.

            Em casa percebeu que Socorro dava um trato todo especial nos cômodos, nos poucos móveis. Colocara tolha nova cheia de flores na enorme mesa da sala. Um jarro com rosas vermelhas decorava uma mesinha acanhada na sala de estar. As redes foram desarmadas e guardadas. Uma, porém, branca, de cambraia com varandas foi espichada no principal recanto para o repouso do jovem diplomado. Seu pai comprara um pedaço de queijo (luxo dispensado somente em ocasiões especiais). Havia um pote de vidro bem asseado cheio de bolachas comum, um regalo que seria degustado com manteiga da terra e café.

            Ah...! Aquele café torrado por Maricota a mais requisitada torradeira de café da cidade. Maricota sabia o ponto ideal. Mistura de café em grãos e açúcar preto. Levado ao fogo num caco de zinco enorme. Com uma colher de pau, Maricota vai mexendo, mexendo... Ao longe o aroma agradável e convidativo do café torrado é sentido. Aquele cheirinho gostos ficava no ar como que inebriando a todos. Guerra fazia questão de ir deixar os ingredientes para Maricota torrar o café de sua casa, era para apreciar a antiga artesã do café donzelo em plena atividade do seu especial ofício. Os grãos de café, depois de bem torrados, secavam e eram pilados num pilão próprio. A caçula era um forte de Maricota. Sabia dosar as batidas da mão de pilão, para deixar tudo num pó pretinho que nem a asa da graúna. Em seguida peneirado e colocado no recipiente adequado para mantê-lo sempre bom.

            Pois hoje o dia estava sendo muito feliz. Sua mãe já separara o calção mais novo e uma camisa azul e branca que Guerra deveria vestir logo mais para esperar o irmão. Tomaria banho, esfregando-se com uma bucha e sabão. Limpar os ouvidos e escovar os dentes bem escovados com polpa de juá. Aqueles cuidados higiênicos sua mãe tinha-os quando havia um acontecimento importante. E a volta definitiva de João batista Guerra, seu irmão, era muito importante.

            As vasilhas foram todas areadas com sabão e areia fina trazida do outro lado da lagoa, na beira próximo ao sítio Estreito. Enxugadas com pano novo. Estavam brilhando. Palpito rachara lenha, tudo pronto. Chagas, que bota água, enchera os potes. Até a água de beber trazia da cacimba que ficava no ‘cuandu’ – depois apelidado de coassu.

            Todas as providências foram tomadas. Nada poderia ser feito apressadamente, com vexame. O professor teria uma recepção de primeira. Os amigos deveriam comparecer e, para essa ocasião, seria servido um licor de jenipapo que fora uma encomenda que Carrinho fizera a Deca Cavaco, um dos mais célebres mascastes da terra. Sai pelas feiras do Nordeste vendendo produtos do mato: canela, gengibre, urutu, mandioca, além de óleo do puraquê e outros chás e unguentos. Deca Cavaco trouxe seis garrafas do delicioso licor, comprado na feira de Caruaru.

            Guerra, depois do almoço, saiu para se encontrar com Danta. Chegando sob a copa da gigantesca timbaúba por trás da Legião, Danta batia um papo com Wilson. Recostados no tronco da árvore secular, madorravam à sombra amiga. Danta teve um sobressalto com a chegada do amigo. Wilson também ficou assustado. Guerra os convidou para irem vê os preparativos da festa. Como estava a feitura das barracas. Podia ser que até o carrossel de Júlio do Ó já tivesse perto de chegar também.

            Os três caminharam, subindo rua acima, pelas calçadas do lado da sombra. Ao avistarem as barracas sendo enfeitadas com bandeirinhas de azul e encarnadas. Wilson exclamou:

            - Vixe!

            Padre Benedito deu o ar de sua presença, supervisionava todos os pormenores, não queria nenhum deslize, nada fora do combinado com ambas as comissões das barracas respectivas. Dava ordens. Emitia pareceres. Até ajudava em remover objetos. Ajudara a levantar o pau de sebo. Alegria da meninada. Este ano teríamos o pau de sebo. Não é aquela árvore lactescente, não, que se originou na China, trazida e adaptada no Brasil, não, que seus frutos produzem gordura e as sementes, graxa tóxica, não! Este pau de sebo emprestou o seu nome àquele. O pau de sebo que já encontrava-se fincado em frente às barracas, era simplesmente uma mastro feito de ‘pau branco’, madeira em abundância nesta região, roliço e bem liso, que se aplica muito sebo em toda as sua extensão o que dificulta àqueles que tentam escalá-lo. No topo fica preso um envelope com uma quantia em dinheiro que se transforma em prêmio ao que conseguir chegar até lá. Os competidores são os meninos. Cada um tenta uma vez. É a maior algazarra, aplausos e apupos. Guerra aprecia bastante este tipo de brinquedo. Acontece nas festividades dos padroeiros e sempre no penúltimo dia das comemorações, de tarde.

            Padre Benedito avistou o seu afilhado, que vinha acompanhado de Danta e Wilson. Os chamou e, rindo, lhes disse:

            - Olhem bem, garotos. Este ano teremos a corrida no saco; o pau de sebo; corrida com o ovo na colher equilibrada na boca e o gato no pote. (Que consiste em colocar uma prenda dentro de um pote pequeno de barro, bem fechado, amarrado e pendurado por uma corda, e o competidor será vendado, pega de um porrete e jogado de um lado para o outro tentará quebrar o porte e tem o direito de tentar três vezes)..

            Os meninos ficaram exultantes. Iriam espalhar entre todos os amigos as novidades da tarde do dia 7 de dezembro, véspera do dia de encerramento da festa de Nossa Senhora da Conceição, uma das padroeiras de Verdejante.

            Nem quiseram mais vê nada, saíram imediatamente, correndo, pulando, dando gritos de alegria. Iria ser o máximo. Foram esbarrando em meninos de toda parte e lhes contando as novidades. Aqueles, logo, tomados de contentamento, igualmente passavam a pular e a correr contando aos demais tudo o que ouviram de Danta, Wilson e Guerra.

            As novidades contadas pelo padre Benedito foi contagiante. Parecia doença. Num piscar de olho todas as crianças da cidade sabiam o que iria acontecer na tarde véspera da festa, para o contentamento delas. Pulavam, gritavam, riam à-toa. Realmente o mundo deve ser dos pequenos, eles não têm compromisso com nada, a não ser com a diversão e a alegria. E em Verdejante a tarde do dia 7 de dezembro seria uma das mais divertidas dos últimos tempos, graças ao padre Benedito Basílio Alves.
           
           Guerra disse para os companheiros que tinha que ir aprontar-se para esperar o seu irmão. Danta e Wilson perguntaram se podiam ir também.

            - Claro. Claro que vocês vão comigo. A gente se encontra na esquina de João de Brito. De lá a gente segui até o mata-burro do Alto.

            E assim saíram os três, em disparada, cada um em busca de sua residência para se trocarem e ficaram vestidos à caráter vê a chegada do primeiro professor diplomado de Verdejante.

            Mas não foram somente Guerra, Danta e Wilson a esperarem o professor João Batista Guerra, não! Sua noiva, Faci; doutor Nego, seu amigo; Alfredo de Terta, Palpito e Dadinho. Estes três últimos companheiros de partido político e de campanhas eleitorais, todos seguidores do Coronel Benedito Saldanha. Outras pessoas encontram-se pela Rua do Alto, próximo ao mata-burro, aguardando a chegada do, por enquanto, filho mais ilustre da cidade.

            Já lá estavam os meninos. Ansiosos. Olhando para as bandas do leito do rio que estava, naquela época, seco. Espiavam, esticam-se como par avistar melhor o outro lado. Mas nem sinal de Jacó e o cavalo pedrês trazendo João Batista. O tempo passava. 15h30 minutos, perguntaram a um senhor que usava relógio de algibeira. Talvez o trem tenha atrasado? O cavalo cansou entre Caraúbas e Verdejante? Ou será que o professor João Batista Guerra não viera, e Jacó ficou por Caraúbas, aguardando a chegada do próximo trem que seria amanhã? Não, não! O professor enviou bilhete há muitos dias para os pais: “Chego dia 7, de tarde. Manda Jacó me pegar com o meu cavalo pedrês. Assinado: João Batista Guerra” Então, se João dissera que viria dia 7, podia esperar, de tarde, 7 de dezembro, ele chegaria. Não tem como ser diferente.

            Guerra foi quem deu o primeiro brado:

            - Lá vem ele!

            Os demais se apressaram de onde se encontravam e foram para o local mais alto vê se era verdade o que dissera Guerra. Sim, no passo de estrada, dois burros à frente com a bagagem do verdejantense ilustre. Em seguida ele e mais atrás Jacó montado na velha e resistente mula que possuía para os seus recados e afazeres. Houve palmas. Todos gritaram:

            - É ele!

            Num instante, a comitiva fez-se bastante grande. O professor, apeando-se do baio suado, primeiro deu um abraço na noiva. Em seguida apertou o irmão, Guerra, bem forte e lhe disse algo ao ouvido. Depois foi apertando a mão dos amigos e abraçando-os. Chegou a vez de doutor Nego, gaitadas estrondosas de ambos. Prosa, amizade  verdadeira.

            Terminada a recepção, João Batista seguia à frente, ladeado por Guerra e a noiva, Faci. Danta e Wilson ali, bem próximos do amigo. Os demais caminhavam, cada um dando boas-vindas ao professor, parabéns pela vitória. Subiram a Rua do Alto, chegaram à esquina de João de Brito, pessoas o esperavam e cumprimentavam, abraçando-o, palmadas nas costas. Verdejante não será a mesma a partir de hoje com o professor João Batista Guerra para ficar do lado dos mais pobres e mais humildes! Pensavam alguns amigos. Quando atravessava o pátio de fronte à igreja, veio o padre Benedito Basílio Alves e foi ele quem deu o abraço mais prolongado e pronunciou as palavras que calaram fundo em todos:

            - Professor, filho do meu amigo Carrinho. Você também é meu amigo. A partir de hoje nós vamos revolucionar esta cidade. Vamos realizar os sonhos que sonhamos para esta terra. Vamos mostrar para todos que a utopia é algo que podemos vivenciar sem esquecermos a realidade da terra e do seu povo. Mas com você aqui, lutando juntamente com os que querem realmente bem a Verdejante, muita coisa vai mudar e, se Deus quiser, para melhor.

            Apertaram a mão com força. João Batista Guerra respondeu apenas que:

            - Padre, fique tranqüilo. O sonho não acabou. Vamos iniciar a redenção de nossa terra! E o meu primeiro passo, com a sua ajuda, é fundar a Sociedade de São Vicente e, daqui, já vejo sua sede...

            Apontou para um antigo e desocupado armazém pertencente ao comerciante Chico Canuto, que ficava na outra esquina da Rua do Alto. O padre e todos que estavam naquele local, olharam para aquele lado da rua. João Batista Guerra ainda completou:

            - Sem autorização de ninguém, eu mesmo encomendei um rádio, última novidade nos grandes centros, que virá do Rio de Janeiro. Contratei um técnico para montá-lo e pensei naquele local. Vamos ter um receptor de rádio que trará notícias na hora, não só do Brasil como do mundo inteiro, para nos deixarem bem informados.

            Padre Benedito tinha um riso constante nos lábios. Este sim, é que é o homem!Disse somente para si, pensando intimamente com confiança. Até o seu projeto de construir um alambique em Malhada Vermelha seria posto em prática, graças ao professor de idéias inovadoras.

            Na calçada da residência de João Batista, muita gente o aguardava. Amigos e vizinhos. Carrinho e Nhá, seus pais, felizes pelo retorno do filho diplomado. Um sonho acalentado que se tornou realidade. Jacó já chegara a tempo, despejara todas a bagagem do professor e levou os animais para o descanso, teriam milho amolecidos na água e um gostoso banho para recuperarem as energias.

            Finalmente o recém-chegado dar o abraço e beijos na mãe. Dona Nhá verte algumas lágrimas de contentamento. Carrinho o abençoa. Depois Seutônio Lopes e Armandina, seus sogros, dão as boas-vindas. Familiares, amigos e o muita gente apertavam sua mão e lhe desejavam boa sorte. Sorte porque, a partir de amanhã mesmo, o professor teria uma tarefa a realizar em Verdejante: instalar uma escola para ensinar os verdejantenses, fundar a Sociedade de São Vicente e lutar para libertar o povo do curral eleitora ao qual estava aprisionado. Pelo menos essa era a idéia dos seus companheiros de partido.

            João batista entrou na antiga casa. Foi até ao terraço que dava para o quintal. Lavou o rosto e as mãos. Socorro lhe trouxe a toalha e também ganhou um abraço. Pediu uma xícara de café. Foi servido. Do seu lado, o amigo de todas as horas, doutor Nego, também tomou uma xícara de café. Daqui a pouco seria oferecido aos que se encontravam na residência de carrinho: bolo, café, licor de jenipapo, tapioca com manteiga da terra, bolachas, incomparáveis suspiros feito por Cotó, pão torrado e leite. Cada um escolhesse o que bem quisesse. Naquela tarde, na casa de Nhá e Carrinho, só contentamento e harmonia.

            Danta, Wilson e Guerra, achegaram-se para perto de Socorro, e pediram bolo, que fosse de milho, pois havia de ovos, também. Socorro os serviu e lhes ofereceu refresco de tamarindo. Os meninos não se fizeram de rogados e encheram o bucho com bastante satisfação.

            Mas, lá fora, na sala da frente, João Batista Guerra recebia a visita dos amigos: Quinca de Lindolfo, o tabelião; Sebastião Paulo, agro pecuarista, de voz fanhosa, único habitante do lugar que recebia todo mês o jornal vindo da capital, A União; João de Deus, comerciante; João de Brito, comerciante; Chico Deodoro, com uma perna só, ajudante de João de Deus; Luis Leite, rico fazendeiro político que faz oposição ao Coronel Chico Pinto; João de Quincas, pedreiro; Futão, bodeqgueiro e companheiro do pif-paf; Rádio, amigo de bate-papo nos botequins; Bino, o Carcereiro e tio; Aristides Pinto, fazendeiro; Inácio Maia, comerciante e proprietário de terras e de gado; Raimundo da Luz, eletricista; Felipe, motorista; Maria Beltrão, engomadeira; Antonio de Purana, músico; Tião de Lúcio, irmão de doutor Nego; Anastácio, vendedor ambulante; Abidulha, arrumadeira; Laura de Euzébio, parteira; Bão Mulatim, pescador; Manoel Dantas, sacristão; Janoca Pade, marceneiro; Edimilson Morais, comerciante; Zé Tito, marchante; Manu, pedreiro; Damião de Voca, gari; Tomaz Tito, carroceiro; dona Liquinha, mãe dos mudos; Alice Pinto, secretária da Câmara municipal; Rapozinha, funcionário da prefeitura; Vicente Beltrão, Oficial de justiça; Chico Canuto, comerciante; Zé Monteiro, fazendeiro e comerciante; Quinca Amarelo, agricultor; Alfrânio, seu tio e chefe da Aduana; Chico cabral, telegrafista; Cosme Lemos, telegrafista; Maria Curicaca, doméstica; Bizinha, Pautila e Jacinta, irmãs moças velhas; Clotilde, engomadeira e prima; Chico Marinho, canoeiro; Anália do hotel; Antonia Dantas, lavadeira. Rodolfo, vendedor; Chas, João Rufino, Benedito, os três carregadores de água; Ciço Potim, agricultor; Zé de Cândido, marchante; e o delegado Luiz marchante. E muitos outros. Mas aí está quase toda a população representada.

            Mais tarde ainda passaria pela residência de Carrinho, outras pessoas. Rapazes e moças; homens e mulheres que queriam dar os parabéns ao primeiro professor diplomado de Verdejante. Um orgulho para todos do lugar.

            Dona Nhá não cabia em si. A noiva do jovem professor, igualmente satisfeita. Carrinho conversava com um, com outro, animadamente. Mas faltava alguém na recepção ao ilustre verdejantense. Seu avô, Adrião Bezerra. Mas não por muito tempo. Logo, avultou aquele simpático homem. Barba branca e comprida a se balançar. Olhos azuis. Bengala inseparável e invejada por muitos. Chapéu de massa. Acompanhada da filha de criação, Vicência, deu um abraço no neto. Mostraram-lhe uma cadeira com assento de couro cru. Sentou-se e puxou conversa. As pessoas ficaram em silencia para ouvir.

            - E então, meu neto. Vens para tomar de conta desta cidade abandonada?
           
           João Batista, sentado na rede branca de varanda, rindo um riso leve, diplomático, sabido, mesmo aos 25 anos, disse baixinho para o avô:

            - Olha vô, quero instalar uma escola e viver uma vida decente com minha mulher...

            O sábio ancião, balançando a mão no ar:

            - Hum, hum! Isso é coisa pouca. Viverá bem com tua esposa, sim. Mas vais ser o nosso candidato a prefeito... Isso é o mais importante!

            João Batista riu com mais força. Os curiosos que rodeavam os dois acompanharam o professor na risada. Mas Adrião Bezerra, o teimoso, não estava para brincadeira. Continuou:

            - Já falei com alguns amigos. Depois da Ditadura acho que agora haverá eleições. Tu sairás candidato pelo partido de Café Filho. Café é um deputado atuante e bastante querido lá no sul do país. Acho que um dia o nosso líder e conterrâneo será presidente da República.

            O professor não discordou diretamente do avô, mas disse que há conversas de bastidores, lá pela capital do Rio de Janeiro, que ele, Café Filho, sairá candidato a vice-presidente com Getúlio Vargas, nas próximas eleições para presidente.

            - Olha aí, filho. Veja a situação melhorando. Eu não sou doido, não. Eu percebo as coisas. Para política eu tenho um faro bem apurado. E o Café Filho sendo vice, na outra sairá para presidente.

            Observou Adrião Bezerra, bem animado. João Batista deva pequenos balanços na rede, recostado para um lado, apoiava a cabeça com as duas mãos. Ouvia o seu avô atentamente. Não lhe dava esperanças de que almejava ser prefeito de Verdejante. Entretanto, não deixava de ser uma possibilidade. O importante era saber se o povo o apoiaria, depois de um domínio de mais de 20 anos da família Pinto na cidade e região. A coisa não seria fácil, avaliava. Iam, avô e neto nesses colóquios politiqueiros, quando chega para abraçar o jovem professor, o prefeito Lucas Pinto.

            - Como tens passado João Batista? Seja bem-vinda a tua volta à nossa cidade. Parabéns pelo diploma de professor.

            Disse com sua voz fanhosa e especialíssima nas horas de saber fingir. Sim porque Lucas Pinto, irmão do Coronel Chico Pinto era inimigo figadal do Coronel Benedito Saldanha que, por sua vez, era líder da facção que seguia o professor João Batista Guerra. Este não tinha nada a ver da briga daqueles dois. Era partidário de um, mas amigo de ambos. Não havia a menor possibilidade de animosidade entre eles.

            João Batista ficou de pé. Apertou a mão do prefeito que não quis a cadeira que lhe ofereceram. Alegando compromissos urgentes, despediu-se prometendo uma conversa prolongada noutro dia. E acenando para os presentes, foi-se. Adrião Bezerra, com um fino riso nos lábios quase encobertos pelo bigode branco, comentou:

            - Este aí vai querer te conquistar. Cuidado. Ele quer para ser capacho dele. Vai logo aprendendo as manhas políticas. Receberás muitos convites. Serás malvisto pelos adversários. Mas saiba te conduzir uma linha de extrema coerência. Ouça a voz da experiência.

            Adrião Bezerra foi prefeito de Verdejante, nomeado pelo presidente da Província. Durante a Ditadura não se votava em nada. Mas administrou por pouco tempo. Logo os seus partidários perderam o comando do Estado, ele caiu. Fora um período bastante conturbado. Em todas as mudanças no comando estadual subia o que fosse da facção situacionista; quando a coisa mudava, os da oposição eram quem comandavam. E assim durou enquanto durou a Ditadura. Havia um revezamento nos postos chaves da República e, a cada adesão, a cada defecção, ou caia ou subia os que ficavam de longe, nos municípios à mercê do humor do Ditador.

            Assim a tarde se foi. Os amigos também. Ficaram os mais chegados como doutor Nego e Gato de Inês. Os vizinhos e, depois que o seu avô se foi, vem o padre Benedito Basílio Alves, praticamente vizinho, pois a casa paroquial ficava na mesma rua, distante 5 residências subindo em busca da igreja.

            Guerra também se encontrava bem perto do irmão. O acompanhavam Danta e Wilson. Estes dois praticamente não foram mais às suas casas. Para onde Guerra ia, eles iam atrás. Pareciam colados ao amigo Guerra. Era isso o que os demais meninos da rua pensavam. Faziam troças, colocavam apelidos, mas tudo isso escondido, não tinham coragem de falar qualquer bobagem na frente do menino Guerra.

            Os comes e bebes estavam escassos. A janta seria sopa de galinha acompanhada de pão na manteiga e café com leite. Parece que padre Benedito vai ficar para o jantar. Apreciava a sopa de galinha caipira, criada no terreiro de casa, em chiqueiro. E tinha notícias de que Socorro fazia deliciosas sopas de se lamber os beiços.

            João Batista e o Vigário puxaram assunto com relação ao Guerra. Já completando 12 anos, melhor começar a pensar em estudar. Guerra escutava de cabeça baixa. Nada dizia. Melhor confessar logo que ele tinha verdadeira veneração pelo irmão mais de dez anos mais velho que ele. Carrinho e Nhá tiveram somente eles dois. João Batista nasceu, ficaram durante dois lustros sem que nascesse outro rebento. De repente, pela graça de Deus, Nhá engravidou e teve Guerra.

            Ouviu-se um tilintar de pratos na mesa. Nhá tomara emprestado aos vizinhos faróis e com a ajuda de lamparinas, a sala iluminada emprestava um ar de castelo medieval. A iluminação fazia formar nas paredes figuras de todos os tipos e tamanhas, pelo reflexo de objetos e das pessoas que se movimentavam. Danta e Wilson sentaram à mesa, doutor Nego, Gato de Inês também. Numa cabeceira estava Carrinho e na outra o padre.

            Dona Nhá, Socorro e Obidulha serviam com bastante dedicação aos convidados.

            Depois do jantar, foram para a calçada. A noite estava convidativa. Lá próximo ao Cruziero, já as duas barracas da festa da padroeira se encontravam prontas. Amanhã se daria o início das festividades. Veio se juntar à roda de amigos, vizinhos e curiosos. Guerra, radiante, não sai do lado do irmão. Nem Danta e Wilson saíam de perto de Guerra. Amizade alicerçada que duraria para sempre. Nem mesmo alguns colegas de algazarra pelas ruas, que se atreveram a chegar bem próximo e chama-los para as brincadeiras, tiveram como arrancar os três daquela reunião de conversa e contentamento.


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RESUMO: A partir de amanhã Verdejante será sacudida por acontecimentos políticos. Mas a festa, também, será uma atração a mais no cenário social da cidade. Querem saber como tudo isso aconteceu? Aguardemos os desdobramentos no prosseguimento da história.

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* William Lopes Guerra é advogado, pesquisador e escritor em Apodi, herdeiro dos direitos autorias do pai.