Aventuras do Menino Danta e seu amigo Guerra
Por William Guerra*
CAPÍTULO XXVIII
Há alguns dias atrás, mais precisamente dia 25 de dezembro deu-se a inauguração do Alambique Malha Vermelha, que produz cachaça e está vendendo igual a pão, ou até mais.
Hoje se inaugura sob a presidência do professor João batista Guerra, a Sociedade de São Vicente de Paula, que, também, traz a instalação do primeiro rádio receptor de Verdejante. É um enorme caixão com ponteiros, antena, visor que marca as ondas e que funciona à base de bateria de solução, cuja energia é gerada a partir de um cata-vento sobre o prédio onde está montado o rádio.
Esta sociedade foi fundada em Paris no dia 23 de abril de 8833, por um grupo de jovens universitários. Também conhecida por Conferências de São Vicente de Paulo ou Conferências Vicentinas, nascida de um movimento de leigos dedicados, com justiça e caridade, a realizar algo em prol dos mais necessitados num verdadeiro dinamismo de tentar aliviar o sofrimento do próximo. Logo se espalhou pelo mundo. E Verdejante vai ganhar a sua hoje, logo mais à tarde colocando-se em funcionamento o rádio receptor de ondas médias.
Na cidade não se fala de outra coisa. Todos os demais acontecimentos pretéritos, importantes ou não, ficaram para trás, esqauecidos por alguns dias. O negócio agora era a discussão sobre a Sociedade a ser inaugurada, iniciativa do professor João Batista, para regozijo dos seus amigos e simpatizantes, enquanto os da corrente contrária, liderada pelo prefeito Lucas Pinto ficava a debochar e criticar tal inauguração.
O técnico, vindo da capital do Ceará, com muita destreza, em três dias fez a instalação e já experimentou a estrovenga que estava causando sensação entre a população. O prédio foi pintado e colocado letreiro com o nome da Sociedade. Os livros de atas de fundação estavam em ordem e João Batista conseguiu filiar mais de sessenta associados.
Para o primeiro dia de funciomaento do rádio, todos tinham – os membros filiados, somente – que comparecerem de paletó e gravata para assistirem a primeira sessão solene de ianauguração, bem como ouvirem o rádio funcionando, algo que não tinham a menor ideia, apesar das explicações detalhadas de João Batista e do técnio em rádio vindo do Ceará.
Uma verdadeira multidão se aglomerara em volta da sede da Sociedade. Gente de todo o município veio para ter notícias daquele troço que, diziam, falava mesmo e tocava músicas. E os comentários surgiam de toda parte, em cada canto uma conversa a mais com pitadas de ironias, ou elogios que deixavam adversários enraivecidos.
- Diz que o bicho fala? É uma pessoa que está bem longe?
- É. Ouvi falar que a voz vem por um fio.
- Que conversa, a voz é transportadas por ondas!
- Mas que diaboi de ondas são essas?
- Onda hertziana!
Este último que falou, parece ser entendido em alguma coisa, disse o nome certo daquilo que realmente acontece com a transmissão de vozes: onda de rádio, eletromagnética, soltas no ar a uma frequência de 3kHz a 300GHz.
- Parece que é uma coisa complicada. Diz que somente o presidente da Sociedade, o professor João Batista pode ligar o danado?
- E desligar também. Pois ninguém entende de sintonização da rádio que pode ser ouvida daqui, de Verdejante.
- Eu queria está lá dentro, mode ouvir essa tal de voz vinda do além!
- Que do além, que nada! É um locutor falando noutra cidade e que o rádio vai pegar aqui.
- É, mas só pode entrar para assistir quem for sócio, e ainda por cima vestido de paletó e gravata.
E assim as conversas se multiplicavam em cada canto da cidade. Especialmente diante do prédio ali entre a rua São João batista e a rua que dava para o alto, futura rua Governador Dix Sept Rosado.
O sol castigava, mas ninguém arredava pé. Seja lá como for, teriam que ver alguma coisa, nem que fosse pelas janelas ou por alguma brecha na porta de entrtada. Cada qual tentava pegar um lugar. Havia os que ficavam de longe, na ponta dos pés, querendo captar alguma coisa que se passasse lá dentro do prédio. E a movimentação ali era intensa. O presidente chegara juntamente com toda a diretoria. Cadeiras foram colocadas para os associoados e convidados especiais. E na primeira fila sentaram os homens mais importantes do lugar, mais padre Benedito Basílio Alves, delegado Luiz Marchante e, como a Sociedade era apolítica, lá estava um adversário poderoso, o prefeito Lucas Pinto e seu irmão Coronel Chico Pinto.
Havia porém, um jovem rapaz, por nome de Manoel Canuto, filho de alto comerciante de Verdejante, espécie de banqueiro, pois era quem emprestava dinheiro a quem se dispusesse pagar juros de 5% por ao mês.
Pois bem, este filho do homem que emprestava dinheiro em Verdejante, por nome de Manoel, ficou aboletado na cadeira mais próxima do rádio. Queria ser o primeiro a ouvir o que aquela máquina teria para lhe dizer. E as horas passavam e o salão principal, com os sessenta assentos estava lotado. Não havia mais lugar para ninguém. Contudo, como alguns convidados que não eram sócios ocuparam cadeiras que certamente pertenciam aos associados, improvisram mais alguns tamboretes da vizinhança para comodar exatamente os quatro sócios que ficariam em pé, caso não lhe providenciassem os respectivos tamboretes.
Lá fora o burburinho era constante. O povo esqueceu até de comer, tomar banho, outras atitividades que, de certo, não fosse a inauguração da Sociedade de São Vicente de Paula, fariam. Um detalhe naquele ambiente de homens, nenhuma mulher, nem as esposas dos associados nem filhas poderiam entrar. Só homens e filhos. Havia críticas por isso também, a mulher sempre discriminada.
- Mas o que tem demais uma mulher entrar aí?
- Talvez eles vão fazer alguma coisa que envergonhe as mulheres!
- Não! É que nem a Maçonaria: só aceita homens em seus quadros, nunca mulher!
Este último observador, foi o mesmo que falou sobre as ondas do rádio.
É chegada a hora. O professor João Batista vai para frente dos sócios e numa breve palavra de bosa vindas, diz que a Sociedade de São Vicente de Paula, filiada à grande Sociedade de Paris, chega para o bem do povo mais humildes e pelo progresso de Verdejante. Recebe efusivos aplausos. O prefeito Lucas Pinto apenas coloca o dedo sobre os lábios finos, como se estivesse a dizer algo, mas em silêncio: “Isto diábo! Esse professorzinho quer mesmo me botar para trás”! Pensava lá com os seus botões.
Três meninos, os mais espertos do lugar, trepados nas janelas, assistiam com grande atenção às cerimônias daquela solenidade: Wilson Danta e Guerra. Eram espectadores privilegiados. O técnico em rádio, vindo do Ceará, tomava as últimas providências para que, na hora exata em que o presidente ligasse o rádio, nada desse errado.
E foi nessa enfusão de grande contentamento, quando se fez um silêncio especial dentro daquela sala repleta de homens, e que fazia um calor insuportável, que o professor João Batista, no momento preciso de botar o rádio para falar, pronunciou esssas paolavras:
- Companheiros sócios da nossa querida Sociedade, é com prazer que vos apresento o rádio receptor trazido do Rio de Janeiro que, através das ondas captadas pela antena que se projeta lá fora, no teto, que será ligado toda noite, a partir de amanhã, sintonizando a Rádio Sociedade da Bahia, nos dará em tempo recorde as notícias do Brasil e do mundo.
Aplausos. Expectativa. João Batista gira um botão que dá um estalo, uma chiadeira se prolonga, enquanto o técnico faz mais ajustes e, como uma mágica de circo, ouve-se uma voz masculina extamente às 16h00 daquele dia, anunciando: “Alô, alô, Repórter Esso, alô!?” E em seguida um música caracterísitica daquele horário e programa. Depois o locutor deu as notícias daquela tarde. As pessoas ficavam de boca aberta. O filho de um dos sócios, no entanto, levantou-se e bradou:
- Eu não sou besta não! É uma pessoa que está dentro desse caixão falando, tentando enganar a nós aqui... Não! Como é que pode uma pessoa falar lá na Bahia e se escutar em Verdejante?
Todos caíram numa risada uníssona e longa, transformada em sonora gargalhada era Manoel, o herdeiro do ricasso emprestador de dinheiro, descrente daquele milgare da ciência e da tecnologia. Necessário se fez levá-lo, pela mão, para trás do rádio, o técnico com muito cuidado desparfusando a tampa traseira da geringonça, apresentar ao Manoel que ali dentro havia somente fios soldados, vávulas e pequenas peças que faziam o rádio falar, isto é, retransmitir a voz vinda de longe.
Meio conformado, reçabiado ainda, Manoel voltou ao seu lugar ainda protestando:
- Ainda penso que isso aí é um truque!
Logo o pequeno incidente foi passando de boca em boca. Daqui a pouco em todas casas, todas as esquinas e em qualquer lugar daquela cidade comentava-se que o filho do endinheirado da cidade, o Manoel, dera uma de abestalhado e quase não acreditou que um pequeno auto-falante não pudesse reproduzir a voz de alguém léguas de distância, pela genial invenção de Guglielmo Marconi.
Mais uma surpresa estava para acontecer naquela tarde. O professor João Batista, depois que todos assinaram o livro de atas, dando por inaugurada a Sociedade de São Vicente de Paula, e saíram, abriu todas as portas e mandou que o povo entrasse, ordeiramente, e assistissem a pequenos intervalo o rádio tocando músicas ou a voz do locutor fazendo algum anúncio. As pessoas, em fila, passavm diante do receptor, paravam por alguns segundos, depois caminhvam e davam a volta para saírem pela porta lateral.
Essa atitude do professor, que agradou a todos que estavam do lado de fora daquele prédio, desgostou o Cironel Lucas Pinto, que foi-se resmungando e sungando as calças, dizendo:
- Isto diabo! Esse professorzinho vai me tirar o juíuzo!
Para maior desespero do prefeito, o presidente da Sociedade, João Batista, anunciou que o rádio seria ligado para todos que quisessem ouvir, uma vez por semana, às sextas-feiras. Os que ouviram aquele anúncio aplaudiram e saíram dali fazendo a propaganda.
Guerra, Wilson e Danta também abismados com aquela novidade nunca antes em Verdejante acontecida, desciam a rua principal, atravessando a praça em frente à matriz, conversavam:
- Vixi! Vocês ouviram a voz do homem que falava de longe?
Disse Wilson bastante admmirado.
- E as músicas que tocaram de um tal de Francisco Alves, depois Vicente Celestino... Caubi Peixoto, também.
As canções que intercalavam com a voz que maravilhava os ouvintes encantaram Danta.
- É. E João disse que toda sexta, quem quiser pode ir ouvir o rádio. Acho que eu vou está presente.
Observou Guerra, os outros dois amigos confirmaram ao mesmo tempo:
- Eu também!
Os amigos notaram um casal de namorados conversando animadamente, de mãos dadas na calçada do sobrado. Antonio de Luzia e Dorotéia. Como o mundo dá voltas. O destino é, ao mesmo tempo, traiçoeiro e bom. Um dia faz uma vítima para deixar livre o caminho de outro. Ou seria aquele ditado popular criado da imaginação e anonimamente perpetudao nos quatro cantos da Terra: Deus escreve certo por linhas tortas.
A noite caía. Hora do Ângelus. O sino da igreja, pelas mãos do sacristão zeloso, manoel dantas, badalava compsadamente as seis vezes. De repente a cidade caía em si, melancólica e saudosa. Nas ruas tortas e semi-escuras pairava um ar de tristeza e resignação. Podia-se dizer que todas as pessoas, ao um só tempo, persignavam-se e faziam suas orações íntimas. Com certeza pediam a Deus perdão dos pecados e muitos anos de vida para si, para os familiares, amigos e toda a Humanidade.
Quem ficou por último ouvindo a rádio Sociedade da Bahia através das ondas curtas no receptor da Sociedade de São Vicente, sentitiu uma emoção mais forte, quando um locutor de voz destacada fazia uma oração tendo como fundo musical a Ave Maria de Schubert.
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RESUMO: Aqui foi a inauguração da famosa Sociedade de São Vicente. Isso aconteceu com todos os episódios com alguma pitada de ficção, é claro. Próximos capítulos prometem estripulias dos meninos e muita política dos adultos.
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